quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Godoh, Leminski & Ísis

O papo com o Fabio Godoh estava muito legal segunda passada (juro que se ele me mandar o mp3 da conversa, posto aqui) e um trecho que achei particularmente adequado à Resistência foi quando ele citou Leminski, que dizia que é fácil ser escritor aos 18 anos, com 15 é mais fácil ainda. Quando chegamos aos vinte e poucos, a coisa complica. E se alguém chega aos 30 e ainda quer ser escritor, esse alguém é um herói. Com 32 aninhos, acho que posso me enquadrar na galeria. Também (se rolar outro convite, claro) em breve talvez esteja lendo trechos de ficção nas madrugadas do Chimia Geral. E falei no Laboratório de Autores da 8inverso, então aproveito a deixa para postar meu primeiro conto, a apresentação da minha nova personagem, esta aí dos parágrafos abaixo:


Não sabia do que se tratava esta história até chegar bem perto do fim.

Na mesa em frente, o homem olhou para o anel no anular direito de Ísis, direito da mão de noiva, depois olhou para seu rosto e sorriu, como quem diz não se importar, não conto nada se você também não contar, mas Ísis sabia, e isso era suficiente, então voltou-se para o café abaixo dos seios, cobertos como véu de vidro. Ísis usava All Star roxo, mulher que é mulher usa All Star, detestava as peruas. A cartomante falou em uma mulher morena de cabelos ondulados, mas ela mesma era morena de cabelos ondulados e metade das mulheres que conhecia eram morenas de cabelos ondulados. Não importa, havia uma mulher, e ela tomou outro gole do café, o homem a sua frente insistindo, incitando, convidando, tentando. Mas o anel estava acima de flertes, de uma noite e nada mais, um almoço e nada mais. O anel era sinal de que Ísis tinha de quem esperar flores, eu te amos a cada vez que se falavam pelo telefone, e ela ainda tinha que entregar sua monografia, mesmo que a faculdade não estivesse rendendo muito. E então tomou a decisão, tinha que fazer alguma coisa, se levantou, pegou a monografia surrada e foi saindo do café. Ouviu o fiu-fiu atrás de si, tão bobo quando um homem assobia para uma mulher, mas sentiu o sobre o estômago doendo, aquele assobio talvez fosse mais verdadeiro do que a outra parte daquele anel, os dois que deveriam ser, o elo da corrente sem elo, e foi com a cara fechada, que nem hominho, caminhando até o ônibus que a conduziria para a faculdade. Pelo menos o All Star não tinha som de cavalos trotando, como os tamancos das patrícias.

Subiu no ônibus, sentou ao lado da janela, nem quis folhear a monografia. Agora não dava mais tempo de mudar, não queria ser surpreendida na última hora por erros de ortografia impressos: o único erro pipocando ante seus olhos era aquele anel. Ouviu nos corredores, porque mulheres sabem ser maus como nenhum outro ser quando têm inveja do amor alheio, que ela estava sendo traída. E haveria uma festa, para a qual – é claro – ela não havia sido convidada, uma pequena confraternização de fim de ano na sala dos professores, que ficava no mesmo corredor onde ela deveria entregar sua monografia. Quando desceu do ônibus, trilhou com pesar a passarela, querendo mais do que tudo não ter que ir, mesmo que tivesse que fazer vestibular de novo, cursar as mesmas cadeiras, ser pintada, amarrada e passar halls de boca em boca no mesmo trote, qualquer sacrifício era menor do que aquele: eles estariam na festa da sala dos professores, os dois, e ela não era o um que devia somar com mais um, era um vértice solitário de triângulo que devia ser redondo, que devia ser dois, e não três, nunca três, era mulher ciumenta e possessiva, era mulher, ponto. Mas caminhando no saguão, o jeito ríspido no caminhar, parecia soldado, parecia guerreiro, o pânico em frente à multidão de estudantes sobre os bancos, em volta do chafariz, os lugares por onde ela sempre passaria e lembraria da pessoa que um dia disse que ia ficar com ela, que queria ser sua, só sua, e nada mais.

Ísis subiu a escada, não podia confundir as portas, passou pela secretaria e caminhou sem olhar para os lados, as portas fechadas. A da esquerda era a sala dos professores, já podia ouvir a música ao fundo, malditos sejam, a da direita era seu destino, entregar aquele monte de folhas escritas nas madrugadas, no pouco que dormia antes de regressar à agência, e tentar não pensar, impossível não pensar, não entre na porta da esquerda, a música, os risos, jurou ter ouvido tilintar de copos, e ela abriu a porta da direita.

Ali dentro alguns professores e alunos confraternizando. Ísis não viu mais nada, apenas o homem de cabelo bem aparado, perfume de homem, braços e peito de homem, peito a peito com a menina morena de cabelos ondulados. Estavam dançando, uma música lenta, os dois se perderam um no outro, mergulhados com os olhos fechados de rosto colado, uma lentinha para os enamorados, eles nem tinham notado Ísis, que se aproximou, os professores olharam para ela, talvez fosse convidada, não deram importância, ninguém daria importância, e Ísis parou ao lado dos dois. A música parou junto. Eles acordaram e viraram para Ísis, que beijou a boca da menina, prendendo seu rosto com as duas mãos, e sorriu para o homem:

— O negócio dela é outro, Romeu, ela disse e olhou para a mulher com olhos de homem assassino. E falou com raiva de homem, com ânsia de homem, xingou como homem: — Vadia.

Ísis tirou o anel e jogou no chão, saindo feito vendaval. Só quando voltou ao corredor, sozinha entre as paredes, chorou que nem mulher, que nem menina, que nem princesa.

Desceu as escadas, a visão nublada, enxugou os olhos e já estava a sair do saguão quando ouviu um estouro. Parecia uma bomba. O enxame de gente infestou o saguão, a visão continuava nublada. Coração nublado. Os bombeiros chegaram, disseram que alguém tinha colocado uma bomba no banheiro, na sala que ficava à esquerda, onde Ísis quase entrou, talvez alguém que não tivesse terminado sua monografia, aquele era o último dia, mas decidiram evacuar o prédio, e o prazo ficaria para a semana seguinte.

Ísis caminhou até a entrada da faculdade, andando pela passarela no caminho pregresso até trombar com uma menina, a última da fila do ônibus, toda maquiada, com tanto ruge que parecia ter sido espancada, reconheceu o Scarpin em seus pés, Ísis pediu desculpas, a menina sorriu, mas Ísis virou o rosto. Detestava peruas.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Encerrando a Feira com Godoh

Segunda-feira estamos encerrando a Feira e, aproveitando o feriado, vou conversar com meu ex-colega de oficina e atual radialista Fabio Godoh, ali na Casa da Band, do meio-dia a uma da tarde. Falaremos ao vivo também pela rádio dos loucos.

Se tiver de banda, sintonize. Ou apareça.

Talvez até leve uns trechos inéditos dos meus livrinhos para ler.

domingo, 7 de novembro de 2010

Sir McCartney e o meu estômago

Enquanto a presidente da Distant Thunders Corporation foi ver o Paul, deixo este breve poema para começar a semana, escrito originalmente para o concurso do bus:

Meu estômago é inverno
A primeira vez, a última vez

Meu estômago aceita, rejeita
Vomita para não ser vomitado

Meu estômago é coração
Viciado sedento por mais uma dose

Meu estômago quer escalar o Everest
Mas tem medo de cair boca afora

Meu estômago é esperança
De um dia ver o sinal verde para mim.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Semana de Feira

Como tenho vivido dias corridos, não consegui ir em nenhum evento da Feira ainda, a começar pela palestra da 8inverso hoje. Já anotei vários outros no Guia da Feira, incluindo rever o clássico Fuga de Nova York – um filme que já devo ter visto umas quarenta vezes, salve Cobra Plissken –, agora na telona do Santander, na próxima quinta-feira. E claro, pechinchar novas aquisições literárias que lotam minhas listas todos os anos.

Aliás, deixa eu ir lá, que já estou atrasado.