terça-feira, 21 de junho de 2011

Altair Martins e Minhas Madeixas Pop

Cheguei faz pouco da brilhante conversa de Diego Petrarca e Lorenzo Ribas com o Altair Martins, meu ex-professor e colega de coletâneas, que me disse que usou meu conto “Madeixas Cor de Sangue” em suas aulas nas escolas de Segundo Grau e no curso de Formação de Escritores e Agentes Literários da Unisinos, para minha total surpresa. Aliás, a primeira coisa que ele falou quando me viu foi “Madeixas Cor de Sangue!”, evocando o conto publicado no livro Contos de Bolsa da editora Casa Verde há quase 5 anos. Queria ter anotado todas as pérolas que foram faladas hoje à noite, tais como a literatura ser sempre autobiográfica, nem que seja só um pouquinho, mas um farelo do autor sempre está presente no texto; o Narrador também é um personagem, muito da história se constrói a partir de sua voz, o como se conta; se nem todos vão ler o texto, ele não precisa ser entendido por todo mundo; “nós pesquemo um peixe” está correto gramaticalmente, desde que eu entenda o nível de significância no qual estou inserido; mais importante do que sermos biográficos é sermos bibliográficos, porque nosso texto dialoga com o que já foi escrito antes; mesmo que muitos textos estejam escritos em terceira pessoa, na verdade o autor está falando em primeira pessoa, mas disfarçado de terceira, a tal autobiografia ficcional; a linguagem em literatura, assim como o teatro sem a obrigação televisiva de ter piadinha, são sinais de Resistência, de uma recusa em aceitar a mediocridade estabelecida.

E um dos meus preferidos: a verdadeira biografia de um escritor são seus escritos.

Mas só no fim o Altair me disse que usou meu “Madeixas Cor de Sangue” em suas aulas, a princípio sem falar meu nome, mas apresentando o texto (que os alunos deveriam opinar se era conto ou poesia) com “esse conto fala de uma mulher ruiva, e o autor é um ruivo”. E foi conversando depois da entrevista que falei sobre a novela que escrevi, mas na qual ainda tenho muito que trabalhar (atenção: não confundir com o um pouco eterno livro, que é um romance), e falei que a Naomi (que era outro dos meus Contos de Bolsa) e a tal mulher de cabelos vermelhos viraram personagem nessa novela, o que o Altair achou muito legal, dizendo que aquela mulher dá pano pra manga. Já estava pensando mesmo em reescrever essa história, pensando melhor o ponto de vista do Narrador, da voz com que a história é conduzida. A noite de hoje foi um alento. Aliás, já estamos armando leituras críticas para as próximas férias. E ouvindo tudo o que ouvi hoje, tive mais fé na autonomia do escritor, de realmente escrever segundo suas próprias escolhas literárias e sustentá-las. Por exemplo, já que falei em Naomi. Algumas pessoas perguntam de onde tiro o nome de meus personagens, e por que não coloco nomes “brasileiros”. Naomi vem de Naomi Rachel, uma das filhas de Stephen King, e não posso chamar de Maria ou Josefina ou Ana Cláudia uma personagem que antes de eu imaginar suas formas físicas já tinha o nome de Naomi, e isso vale para todos os outros personagens. Nome de rua a gente muda; personagem, não.

Mas enfim, já que andou rolando pelas aulas do Altair, e para você que provavelmente não é um leitor antigo deste blog, para abrir os trabalhos no primeiro dia inteiro de inverno, deixo este breve conto in red:

MADEIXAS COR DE SANGUE

Ela tinha os cabelos cor de sangue, mas decidiu não se matar. Tinha os cabelos cor de vinho, e tampouco podia beber. Tinha os cabelos cor de fogo, então rezou por paz. E encontrou novas madeixas, que sabiam que cor de dor rima com cor de amor, e perderam o medo de se trançar.

Killer Joe e o Solstício de Inverno

Chove. Às 3 e 46 da madrugada começamos a estação da festa do cobertor por excelência. Acabo de baixar Killer Joe, que estava há meses na lista de espera, e que vai acabar sendo a primeira música do inverno. Benny Golson foi o último músico (e o único ainda vivo) que o personagem de Tom Hanks foi buscar no final do filme Terminal. Não tenho certeza, mas é possível que a música que ele toque antes de dar o autógrafo que faltara para o falecido pai do protagonista seja Killer Joe. Tomara que seja, porque esta é uma sonzeira do primeiro escalão.

Ia postar um conto hoje, mas como hoje não vai ter oficina por causa da Entrevista Poética, aproveito para deixar a dica cultural do dia, Diego Petrarca & Altair Martins na Saraiva do Praia de Belas, às 19 e 30.

Aparece lá.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Antes de retrabalhar minha novelinha

Enquanto penso em Mobley e Lee voando High and Fligthy, tentando equilibrar os pratos entre estudos, levantar cedo, tentar ir dormir cedo, tentar ter disciplina e exercitar a escrita & leitura diárias, aproveitando que com esse friozinho não tenho mais desculpa para não fazer, vou me aprontando para ler de novo a versão da novela que terminei ano passado, ainda com muito trabalho pela frente, ainda com a voz do narrador, a fluência, os personagens e o poder de persuasão me esperando. Quer dizer, um texto nunca está pronto. Chega o momento em que a gente dedide parar de mexer, mas sempre haverá algo a retocar.

Ouvi alguns pareceres, mas segundo ensina o Professor Koch, um texto pode ruir ante a um simples comentário, quando ele ainda não está pronto para ser avaliado (o que Stephen King chamava de "versão a portas fechadas"). Enquanto isso, vou aquecendo o teclado escrevendo qualquer coisa, apenas para engraxar as engrenagens da mente e a sintaxe dos dedos, e o texto aos poucos - bem aos poucos - vai fluindo. Como este blog não é (teoricamente) um diarinho, as palavras saem com mais dificuldade quando são para serem digeridas abertamente do que sairiam se fosse um despretensioso e catártico e-mail-carta para um único leitor. Não importa. Inspiração não cai do céu, é trabalho, trabalho, trabalho sem fim, já disse Roth. Mas quem sabe se não seguir o conselho do mais famoso dos médicos-escritores, Антон Павлович Чехов, e escrever todos os dias, a coisa não embala?

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Primeiro post no new computer

Estas são as primeiras palavras que escrevo com computer, teclado e, principalmente, monitor novos. Depois de uns dias out of system, aproveito a quinta-feira (teoricamente o dia em que meus outros compromissos se aliviam) e estreio ferramenta nova. Para mim que escrevo – para você que me lê, sei que não faz muita diferença. Mas estou acostumando com digitar em um novo teclado (a velocidade vai voltando aos poucos, parece como reaprender a andar), e acostumando com a tela nítida e caracteres grandes, incrivelmente claros, depois de ver meu monitor, fiel companheiro por exatos 10 anos, agonizar meses a fio. Novos começos, não é mesmo? A vida tem que seguir em frente. Claro que agora vou – imagino – aumentar minha cobrança interna para produzir literatura. Aliás, tenho que reler alguns textos, polir, esculpir, reescrever. O mais difícil, como tudo, é começar. Mas começar é preciso, de algum modo. Como disse Stephen Koch, na frase de abertura de sua Oficina, “só existe uma maneira de começar: é começar agora”.

Pelo que ando lendo sobre Miles Davis e Dostoiévski, os caras eram extremamente dedicados. Quer dizer, os grandes sempre foram dedicados, independente da área. Miles ia na biblioteca e no museu pegar emprestadas partituras de Stravinsky e outros clássicos para aprender e estudar, coisa que muitos de seus ídolos jamais fizeram. Dostoiévsky foi leitor diligente, construindo seu talento com constância e disciplina ao longo dos anos (a frase do dia: “Quero escrever um romance, e não descansarei enquanto não conseguir”). E isso com contas batendo, fome, prisão, exílio fora e dentro de sua própria terra natal. Mesmo que tenham se passado anos, eles me ensinam a mesma coisa: continue resistindo, ignore as dificuldades, siga em frente. Se não fosse a sua perseverança, beirando o inabalável, eu não estaria divagando sobre sua obra em um fim de tarde em pleno outono de 2011.

Também vou poder estudar, agora com as aulas mais claras frente aos meus olhos. E tentar manter meu foco. E enquanto penso em como encerrar este texto, lembro de Coltrane, que fazia solos quilométricos quando estava na banda de Miles, e depois em sua carreira solo, justamente por não saber como encaixar e concluir a sequência de notas sobre as quais vinha improvisando. Mas como não sou Trane, é melhor ficar por aqui.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

RIP completa 18 anos

Enquanto a presidente do complexo onde fica a Distant Thunders Corporation e minha progenitora foi dar uma bandinha para fugir do frio, e antes de fazer o chimas e começar a trabalhar em meu escritório, vi a maravilhosa neblina e o friozinho mágico de um outono típico da cidade-sorriso. Há exatos 18 anos, no mitológico ano de 1993, tive os dois primeiros períodos da quarta-feira de biologia, e a professora pediu um trabalho para a quinta. De tarde, lembrei de uma tia minha falando sobre um certo conhecido nosso, que tinha o passado muito sofrido, pelo menos na visão dela, e vi que ela falou aquilo com uma certa admiração pela superação dele, como quem diz “depois de tudo, ele ainda está aí”. Com aquela eterna história adolescente de precisar ser aceito, pensei eu mesmo em um amigo imaginário, que também tinha tido um passado turbulento, de muitos excessos, e hoje era um cara super certinho, que andava na linha, talvez como uma reparação a si mesmo e ao mundo. A história veio para mim tão pronta que decidi escrever no caderno. Nascia ali o personagem RIP, cuja autobiografia levei horas datilografando, então catando milho, tecla por tecla, quando ganhei minha primeira máquina de escrever, que tenho até hoje, minha Brother GX-6750. Tirei alguns xerox e dei para vários amigos, inclusive uma professora de literatura, dois anos depois. Mas naquele dia acabei não fazendo o trabalho de biologia, e rodei no fim do ano (por apenas dois décimos, então a história ficou meio mal contada). Mas isso não importa. Tenho o caderno onde escrevi a autobiografia do RIP até hoje, e carrego junto a vocação registrada nas linhas de um personagem com o qual escrevi mais dois extensos contos (um deles um calhamaço mandado por carta para vinte pessoas anos atrás). E segui escrevendo, e estou escrevendo em uma quinta-feira de manhã, 18 anos depois. Embora tenha feito, e esteja fazendo, outras coisas da vida, continuo produzindo literatura. A melhor maneira de virar gente grande mas sem perder o encanto é, de alguma forma, continuar resistindo. O RIP virou gente grande, e posso identificar traços dele em Pedro Revell e Carol, protagonistas das duas narrativas mais longas que escrevi até hoje.

Então aproveito minha rápida semana de home alone para mergulhar mais na cuidadosa tradução de Robertson Frizero para as Cartas de Dostoiévski, em edição de luxo, repletas de suas convicções sobre o fazer literário (ele diz gostar muito do trabalho de Pissemski, “um mestre em contar histórias”, mas acha lamentável ele escrever rápido demais, “muito rápido e em demasia. Um homem deve ter mais ambição, mais respeito por seu talento e ofício, e mais amor pela arte. (...) Os personagens colossais, criados pelos autores colossais, em geral nascem do trabalho demorado e persistente”).

Além disso, temos várias pautas para os próximos dias, como produzir o que faltou para o Laboratório de Autores, começar a rever a Sétima Temporada da série preferida deste blog, talvez começar de novo o Faulkner, talvez começar a ler o Kind of Blue (o livro, não o disco), estudar, escrever para as teachers (18 anos depois, me tornei um bom aluno, rá!), e mandar alguma contribuição para o Escritores Independentes, que foi criado a partir dos textos da oficina.

E vamos que vamos, que a hora é agora.