quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Por que ainda não traduziram On Writing, de Stephen King?


“O seu tempo é valioso e o meu também, e ambos entendemos que as horas que passamos falando sobre escrever não são as horas que passamos de fato escrevendo. Serei tão animador quanto possível, porque é minha natureza e amo este trabalho. Também quero que você o ame. Mas se você não quiser suar a bunda trabalhando, você não tem negócio algum tentando escrever bem. (...) Se Deus deu algo que você pode fazer bem, por que em nome de Deus você não faz? (...) Não se pode transformar um mau escritor em um bom escritor, nem um bom escritor em um grande escritor, mas é sim possível, com muito trabalho duro e perseverança, transformar um escritor competente em um bom escritor (...) TV é a última coisa que um aspirante a escritor precisa, e se você não vive sem saber as notícias da CNN e os jogos do ESPN, ou assistir Jay Leno todas as noites, está na hora de você se perguntar a sério sobre seu futuro como escritor (...) Para ser escritor, você precisa fazer duas coisas acima de tudo: ler muito e escrever muito. Até onde eu saiba, não existe outro caminho; não existe atalho.”

  
No fim de Oficina de Escritores, que considero a Bíblia para quem quer escrever (ou melhor, uma das Bíblias), Stephen Koch fala de On Writing – A Memoir of the Craft, de Stephen King, que ele considera talvez o mais útil e abrangente livro escrito sobre o ofício de escrever, e de onde grande parte (partes demais, eu diria) da Oficina foi tirado. Pois que tive a honra e a boa vontade de ler On Writing (esta edição da Scribner, com hard cover), no original em inglês, já que ele ainda não foi traduzido. Aliás, por que ainda não traduziram On Writing? Juro que quando o traduzirem compro um exemplar para reler.

O livro já começa bom, com King dizendo que sua intenção é contar como um escritor se forma, e não como ele é feito, já que para ser escritor a pessoa tem que vir com algumas peças de fabricação. Em seguida começam as memórias da infância, o pai que sumiu para sempre porque estava enterrado em contas, logo quando King era bem pequeno, depois uma baby-sitter que era “grande como uma casa”, que vivia o sufocando e peidando em sua cara, que ele lembra de ser “escuro, terrível, mas também gerava algumas risadas”, e nesse sentido ela também o preparou para a crítica literária. Sua voz nos conduz como se ele estivesse conversando com a gente. Aos seis anos de idade, ele plagiou uma história e deu para sua mãe ler, que gostou, mas quando confessou não ter sido ele quem inventou, ela disse: “Escreva suas próprias histórias, Stevie. Você pode fazer melhor que isso”. Então ele escreveu sobre quatro coelhos dirigindo um carro e ajudando crianças. Ela leu, perguntou se ele mesmo tinha escrito aquilo. Depois que ele confirmou, ela disse que aquilo bem poderia estar em um livro. Stephen disse que desde então nenhum elogio que recebeu em sua carreira foi melhor que aquele.
 
Depois das experiências com o jornal da escola, e com um conto que fez como uma releitura de O Poço e o Pêndulo, de Edgar Allan Poe, e terem perguntado por que ele perdia tempo escrevendo aquele lixo (onde ele acrescenta: “todo escritor, pintor, cantor, já teve alguém que perguntou “por que você está desperdiçando seu tempo com isso?”), King foi trabalhar na biblioteca onde conheceu Tabitha Spruce, com quem casou um ano e meio depois, e ainda é casado, e se apaixonou por sua poesia em um sarau entre amigos.
Quando finalmente conseguiu vender Carrie, em um contrato que foi de 2.500 a 400.000 dólares, King conta a triste história das duas garotas que inspiraram Carrie, as duas já mortas quando o livro foi publicado (uma por ataque epilético, a outra por suicídio). Ele também conta que jogou o esboço de Carrie no lixo, e foi sua esposa Tabby quem resgatou o texto da lixeira e disse que ele deveria continuar escrevendo, e que seu apoio foi fundamental para que ele seguisse a carreira de escritor. Em seguida sua mãe morreu de câncer no hospital, e depois que saiu O Iluminado (cujo protagonista é um escritor alcoólatra), King teve que admitir que estava falando dele mesmo, um escritor e adicto (ele também estava usando cocaína) e disse que pedir para um alcoólico maneirar na bebida é como dizer para alguém que está sofrendo de diarreia maneirar na caganeira.
A segunda parte do livro (Toolbox) fala nas ferramentas que todo escritor deve trazer consigo, e tê-las a mão quando precisar delas. Em primeiro lugar está o vocabulário (inclusive o vocabulário de rua) e a gramática, que vai melhorando conforme vamos lendo. No fim do capítulo anterior ele alerta que a partir de agora vamos falar a sério sobre o ofício de escrever, e se você não quer levá-lo a sério, feche o livro e vá fazer qualquer outra coisa. Como lavar seu carro.
“Não se deve pensar muito sobre onde o parágrafo começa ou termina, o truque é deixar a natureza fazer o resto. Se você não gostar mais tarde, então conserte. É sobre isso que é reescrever (...) O objeto da ficção não é o senso de correção gramatical, mas fazer o leitor bem-vindo e contá-lo uma história, e se possível fazer ele esquecer que está lendo (...) Escrita é pensamento refinado (...) O parágrafo de uma única frase está mais perto da conversa do que da escrita, e isso é bom. Escrever é sedução (...) A batida na qual o escritor desenvolve sua prosa, é a batida que ele escuta em sua cabeça. Descobrir essa batida é o resultado de milhares de horas de prática, e de dezenas de milhares de horas lendo (...) Estamos falando sobre ferramentas e carpintaria, sobre palavras e estilo, mas conforme vamos nos movendo (no texto) você faria bem em se lembrar que também estamos falando de mágica.”
 
King diz que lê onde pode e que salas chatas de espera foram feitas para ler (eu acho que ônibus também, mas anyway). Para ele, as manhãs pertencem a tudo que for novo – a composição atual. As tardes são para cestas e cartas. As noites são para leitura, família, jogos do Red Sox na TV e quaisquer revisões que não podem esperar. Basicamente, as manhãs são seu horário nobre para a escrita.
“Como todos os outros aspectos da boa escrita, a chave para escrever bons diálogos é a honestidade. A Legião da Decência pode não gostar da palavra merda, e talvez você também não, mas nenhuma criança vai correndo até sua mãe para dizer que sua irmãzinha defecou (...) Toda semana recebo uma carta (muitas vezes mais de uma) acusando-me (ofendida com o que meus personagens disseram). A chave é deixar os personagens falarem livremente, sem se importar com o que vão dizer a Legião da Decência ou o Círculo de Leitura das Senhoras Cristãs. Do contrário, além de ser desonesto, seria covarde, e a escrita de ficção não é trabalho para covardes intelectuais (...) Honestidade é fundamental (...) Como disse Frank Norris, o que me importa as opiniões deles? Eu contei a verdade (...) O que acontece com os personagens conforme a história progride depende do que descubro sobre eles conforme vou avançando (...) e se você continuar escrevendo, vai perceber que todos os personagens são parcialmente você.”

King fala sobre deixar o manuscrito recém-escrito descansar por umas seis semanas, ler, revisar e reescrever. A segunda versão é a primeira versão menos 10% (como sugeriu um editor em uma carta de recusa durante sua adolescência). Ele também fala sobre termos um Leitor Ideal (no caso dele, sua esposa) e mandar a cópia para seis, oito pessoas e pedir sua opinião sobre o que funciona e o que não funciona na história, antes de fazer a versão final.

“Você não precisa de aulas de escrita ou seminários mais do que precisa deste ou de qualquer livro sobre escrita (...) Você aprende melhor lendo muito e escrevendo muito e as lições mais valiosas são as que você ensina a si mesmo.”
 
* *

Os capítulos finais falam do acidente que quase o matou em 99, atropelado pela van de Bryan Smith, e de sua dolorida recuperação, e de como voltar a escrever o ajudou (“escrever não é a vida, mas às vezes é um jeito de voltar a vida”); também há um capítulo sobre edição e revisão, em que ele mostra como cortar e enxugar frases, citando seu 1408, e uma lista de seus livros favoritos. O que eu não entendo é por que ainda não traduziram esse livro por aqui. Aliás, quando estava quase terminando de ler o livro em inglês, descobri que “Escrever – memórias do ofício” foi traduzido em Portugal. Mas enfim, decidi fazer este mix de resenha e publicar em meu blog errante. On Writing é um grande livro (que esta semana se tornou meu companheiro de mochila no bus), um dos preferidos da casa. Quem escreve tem que ler.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Depois do Pablo Held Trio



Fui ontem ver os alemães do Pablo Held Trio (tem um show extra hoje, se correr ainda dá tempo) e no fim comprei seu belo e introspectivo Music, das mãos do próprio Pablo. Bem bacana o show. Antes de começar, ele avisa que nunca sabem que músicas vão tocar quando sobem no palco, apenas deixam a coisa fluir, e parece que estão lendo a mente um do outro, todos bem concentrados. Depois do fim do show, fomos lá bater um papinho.

Perguntei a ele se o trio apenas improvisava ou se a uma hora de música ininterrupta eram as músicas misturadas, e ele disse que um pouco dos dois. Ele começou na bateria aos 5 e no piano aos 10. Aos 25, já é uma das sensações do jazz europeu. Perguntei se ele nunca tinha pensado em desistir, ele disse que sim, durante a adolescência, até que seu pai perguntou “por que acha que estou apoiando e investindo em você, com todas essas aulas?” e então ele decidiu se dedicar a valer e ser profissional. Fiz a mesma pergunta ao batera Jonas Burgwinkel, de 30 anos, e ele disse que também pensou em desistir, quando as coisas pareciam não ir para frente. Perguntei se as pessoas incentivavam ele, que respondeu um irônico “mais ou menos”, e que só quando começou a ganhar algum dinheiro com a música começaram a respeitá-lo mais (afinal, ser artista, músico, escritor ou qualquer desses bichos-grilo, não é fácil. Nem aqui nem na Alemanha). E disse que podia ficar sentado no sofá, mas se em vez disso estivesse praticando, sentia que estava fazendo alguma coisa 
Só essas duas falas já valeram a noite.
E foi pensando neles que hoje, que não vamos ter reunião de equipe e posso chegar mais tarde, enquanto me preparo para encarar o (geralmente) dia mais corrido da Red Cross e, antes disso, me aventurar na chuva que não para de cair na cidade-sorriso, esquento o chimas e vamos a escrita. Faz uma semana que o escritório da Distant Thunders Administration está maravilhosamente perfumado com o Haiti Coffee, que mandei passar semana passada e ainda nem estreei – quem sabe hoje?
Ontem soube que tem outro concurso para publicar originais inéditos, acho que semana que vem sai a primeira leva da Funarte, e Mr. Vizinczey acaba de me dizer que, desde que ele tem um prazo para escrever, ele tem que escrever.
Então, ao trabalho.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Tema de Casa


Sem fôlego, César corre para dentro de casa. Atropelando todos os objetos em seu caminho e quase despencando pela escada, ele entra em seu quarto. Vai em direção de Mike, sentado na beirada da cama e o abraça. As lágrimas descem quentes pelo rosto de César, tatuando a alma. “Desculpe, desculpe”, apertou forte Mike contra o peito. Choro desesperado, de tremer o corpo todo. De faltar voz, de enlouquecer alguém. Choro — até quase desmaiar. “Desculpe”, implorou mais de mil vezes.

Ao chegar na escola, César avista Joana no corredor. Eles se cumprimentam, ela sorri para ele. Joana olha carinhosa para César e ele lembra do filme que nunca viu. Olhos de serpente. Ele sorri de volta. César a pega pela mão de forma suave, convidando. Joana não entende e recusa. “Vem, eu quero te mostrar uma coisa”, insiste ele. Educado, como sempre foi, como sempre exigiram que ele fosse. “Quero que tu veja uma coisa”, diz ele. “Que coisa?”, pergunta aos sorrisos. “Vem”, insiste César, conduzindo Joana pelo corredor até a porta do banheiro masculino, adentrando. Serena, Joana pergunta a César o que ele queria que ela visse. “Olha para a parede”, diz ele. Joana fica de costas para César, que lhe dá uma forte joelhada no pulmão direito, produzindo um ruído seco. A garota quase desaba sobre o chão. César a agarra pela camiseta, esmurrando seu rosto até ela se curvar, cuspindo sangue. Ele então agarra a cabeça da colega fortemente pelos cabelos e bate com ela repetidas vezes contra o concreto, quebrando o nariz de Joana, abrindo seu supercílio e um talho em seus carnudos lábios. César vira o corpo da garota, jogando-o violentamente para dentro do boxe. O barulho das costas dela tentando vencer a parede demonstram que algo foi quebrado – um alicerce ou uma costela. Com o impacto, o sangue do rosto dela espirra na parede, decorando o branco opaco de vermelho. César estrangula Joana sobre o vaso sanitário, olhando em seus olhos. Olhos de vidro nos olhos de serpente. Ele emite um grunhido, sem alterar sua expressão facial. E solta o corpo. Joana está morta, espalhada sobre as fezes de alguém que não quis dar a descarga. César sai caminhando do banheiro, atravessa o pátio e dirige-se até o portão da escola. Só então começa a correr.

Com a porta do quarto chaveada às suas costas, ele olha direto para a prateleira. Ao avistar o pequeno Mike, César avança. Passos rápidos de gigante dentro da criança que já não era mais. Passa desapercebido da cabeça de tigrinho branco de pelúcia sem corpo, jogada aos pés da cama, e bate violentamente no rosto de Mike, virando e agarrando a cabeça, batendo incessantemente com ela contra o armário. O corpo cai no chão. César aperta o pescoço de Mike com toda a força.

César entra em casa sem falar com ninguém. Durante o almoço, olha fixo para o prato, o qual esvazia muito rapidamente, se levantando da mesa em seguida. A mãe pede para ele ajudar a tirar os pratos, pois ela não pode fazer tudo sozinha. César pergunta se ela pensa que ele é um inútil e começa a xingá-la. Ela começa a chorar. Ele se tranca no quarto.

Na hora do intervalo, Joana está perto do quadro-negro perguntando para César, sentado na primeira classe, em que circo ele trabalhava, referindo-se à roupa listrada que o garoto vestia. Metade da turma gargalha. “Mas eu gosto”, ele diz, quase se desculpando. Mais gargalhadas. Ele fica sério. As piadas proliferam ao redor de seus ouvidos. Ele começa a rir. Sem graça.

Ele ergue a cabeça em direção ao canto do quarto, contemplando a sua vítima de todas as semanas, e completa em sua agenda: “hoje eu dei a centésima surra em Mike.”

César está cabisbaixo. “Eu queria poder me enterrar nesse concreto”, sussurra ele para o melhor amigo Francis, que ri cínico e diz a ele com firmeza que foi muito bem feito a namorada tê-lo traído e abandonado, pois ele tinha sido avisado. César vira o rosto em direção a Francis, tremendo as mãos. Dentes trincados. Respira fundo e conta uma, duas, dez vezes. “E não adianta me olhar com essa cara”, avisa Francis. César volta a encarar o chão.

No dia de seu aniversário, César encontra seu pai, quase um ano após a última vez em que se viram. Ganha um orangotango de pelúcia. O pai diz que sente muito não poderem se falar mais seguidamente e que vai fazer de tudo para reverter essa situação. Uma mulher o chama, ele se despede apressado. César nada diz e também se retira, após observar seu pai ir embora com a namorada. Põe-se a caminhar pela calçada, abraçando vez ou outra seu presente. Batiza-o de Mike.

Às vésperas de completar dois meses de terapia, o psicólogo finalmente ouve a voz de César. Ele conta uma história confusa, fala mal de seus amigos. O relógio marca cinco horas. César se despede do psicólogo com um forte aperto de mão e dirige-se a até o ônibus que o levaria para casa. Ao chegar, sorridente e falando alto, encontra sua mãe na cozinha e diz que mal pode esperar até a próxima semana, naquele mesmo dia. A mãe olha terna para o menino e acaricia seu pequeno rosto. Diz que seu pai ganhou a liminar que reduz a pensão e que seu tratamento com o psicólogo seria interrompido.

Na escola, cada vez mais afastado dos amigos. Em casa, cada vez mais quieto, sobretudo nas manhãs seguintes ao acordar de uma madrugada de discussões familiares. Reuniões no colégio, bilhetes frequentes denunciando sua constante falta de atenção nas aulas. Seu pai acusa César de estar se drogando. Reprovação no final do ano. Seus pais se separam.

Com raiva, com muita raiva, ele percorre as paredes de seu quarto com os olhos. Acaba parando no tigrinho branco em frente aos livros. Caminha até a outra extremidade do quarto e começa a espancar o boneco.

César tem sua atenção desviada ao ouvir um dos meninos do outro lado do campinho de futebol gritar seu nome e não percebe o vizinho que segura seu calção e o abaixa até os joelhos, trazendo consigo as cuecas.  Todas as meninas sentadas no banco apontam para ele.

É Natal. Na casa da Tia Elaine, os adultos conversam perto da lareira. Dois casais com taça de vinho se encontram esparramados sobre o sofá da sala. Às duas horas da madrugada, quatro horas após o horário normal do toque de recolher, César é a única criança acordada. Caminha pela casa, ziguezagueando os parentes a sua volta, trazendo consigo o tigrinho branco de pelúcia recém ganho, até que puxa seu pai pela mão, interrompendo a conversa com suas tias, apontando para uma senhora no canto da sala, dizendo que ela era uma velha muito feia. Constrangido e irritado, seu pai o puxa pelo braço, dizendo que os meninos educados têm que ser discretos.

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Cony, Corridas, Preparação e Mozart

Você acredita em inspiração e intuição?
Em intuição, sim; inspiração, não. A intuição é o sexto sentido, é que nos indica que estamos no caminho certo quando duvidamos de nós mesmos, nos dá confiança. A intuição existe. Sou intuitivo, acho que todo mundo tem uma dose maior ou menor de intuição. Sou um intuitivo mediano. Mas não acredito em inspiração de jeito nenhum.
Mas, quando a coisa não avança, você credita esse fato a quê?
À preguiça. Não sou mais jovem e já tenho uma estrada percorrida que dá uma certa fadiga. Não espero nada da inspiração. Não há inspiração. Por exemplo, para escrever as crônicas para a Folha de S. Paulo, sento ao computador, escrevo o cabeçalho, endereço ao editor e entro na crônica propriamente dita. Essa crônica é publicada na segunda página, junto com outras duas. Uma vem de São Paulo, a outra de Brasília e a minha, do Rio. Quando acabo de escrever o cabeçalho, paro e penso: e agora? E tem o tempo para entregar. Às vezes solto uma palavra sem mais nem menos, e assim uma palavra acaba puxando a outra e nasce a crônica.

Carlos Heitor Cony, em entrevista.

Descobri este duo de sax tenores muito fera chamado Sketchbook, de Dave O’Higgins e Eric Alexander, e também hoje ouvi sobre preparação, pode ser para as situações da vida, mas também vale para buscar a excelência de sua arte, seja ela qual for. Também tenho pensado no romancista e maratonista Haruki Murakami, que em seu belo Do que falo quando eu falo de corrida disse “as três principais qualidades que um romancista deve ter são: talento, concentração e perseverança”. Li hoje um trecho da vida de Mozart, que abandonou os brinquedos tão logo descobriu o que era música, ainda no começo da infância, e se pôs a trabalhar sem parar. Talento a natureza dá para alguns, mas concentração, foco e perseverança, tem que garimpar, e isso muitas vezes significa quebrar as pedras da preguiça e da procrastinação, assim como dizer não às outras milhares de distrações, diariamente, em um trabalho que deve ser de colocar um tijolinho todo dia, a fim de construir nosso sonhado muro, e na verdade esse muro não tem fim. O tempo para literatura aqui no escritório da Distant Thunders Co. anda cada vez mais escasso, e a única forma de combater isso é fazendo o possível, desde que o possível seja feito agora.
Sente e escreva. Agora. E depois continue escrevendo.
Faça o mesmo amanhã.
E depois de amanhã.
E então, sente e escreva. Leia, leia e leia um pouco mais. Agora.
Meu deus, como é difícil escrever.
Não ouça o canto das sereias, disse meu bom amigo e fotógrafo de mão cheia René Cabrales.
Sim, vou continuar tentando.
 

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Jazz Message #2

Coloco Hank Mobley para tirar a ferrugem da escrita e me fazer sonhar que o frio já voltou, afinal estamos na cidade em que acontecem as quatro estações do ano no mesmo dia. Se quiser conseguir o que os outros não conseguiram, terá que fazer o que os outros não fizeram, alguém disse (essas ideias são mais aprofundadas aqui neste texto in english). Falaram em determinação, em não perder horas na internet em vez de simplesmente escrever. Pensei em mandar o um pouco eterno livro para o concurso do Sesc, depois que soube que E o Vento Levou foi recusado 38 vezes (aliás, descobri 10 livros famosos que foram recusados, e várias vezes). Novas revoluções se aproximam, enquanto vou tateando o texto. Escrever é como tocar um instrumento musical, precisa praticar, senão a coisa vai para o espaço. E ler, é claro. Tenho que retomar as leituras. Foco.

Talvez um café italiano para dar um clima na friday night. Talvez o jazz. Talvez, quem sabe, agora.

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Fast changes antes da Funarte


Terminaram hoje as inscrições para a Bolsa Biblioteca Nacional/Funarte de Criação Literária, para onde já tinha mandado o projeto para a elaboração e conclusão da história de Carol semana passada, o mesmo que está agora sobre a Caixa da Perseverança, uma caixa de papelão preta escrita Specially for you, que abriga algumas cartas de recusa de alguns outros textos, e que agora é o abrigo da semente da já citada história de Carol, em meio ao São Jerônimo, sua pena escrevendo sobre o livro e seus leões, um anjo russo, um anjo querubim lendo um livro, o anjo Eiael e um Ganeshi, sobre a autobiografia de Eric Sykes, comprada em um brechó em Camden Town, como um monumento aos London Times, um lembrete que me incentivasse a continuar escrevendo, cujo título resume tudo: If I don’t write, nobody else will.
Em rápida conversa com Mr. Marcelo Martins hoje, ele disse: tem que escrever, tem que atualizar o blog. Mesmo que jamais comentem – vou insistir nisso, e daí? –, o contador mostra que tem gente de diferentes lugares que lê este blog, diariamente. Mas o caso é que pensei em pensar na história de Carol, e não esperar apenas pelos resultados da bolsa para continuar trabalhando, mas deu um medinho: vai que eu descubra algum erro no projeto a essa altura do campeonato, e seja contaminado pela sombra?
Então, acho que a programação para a sexta de noite vai ser colocar a leitura em dia, e tomar um chimas, longe dos perigos do mundo, são e salvo para incubar literatura. Para depois nascer, se alimentar e produzir. Enfim. Melhor do que saber o que vai acontecer entre Nina e Carminha hoje, não? Me despeço com as palavras de Seal, encartadas em seu segundo cd, e que ficaram anos em minha cabeça:
So if ever you feel you can't go on, rest assured that you are not alone and that fast changes are arriving.
Para celebrar novos começos, fast changes are arriving.

sábado, 4 de agosto de 2012

Pretend the dream is true


When I'm dreaming
And I find myself awake without a warning
And I rub my eyes and fantasize
And all at once I realize
It's morning, and my fantasy is fading
Like a distant star at dawn
My dearest dream is gone
I often think there's just one thing to do
Pretend the dream is true
And tell myself that you are there.

Lindo, não? Fala de amor, mas pode ser sobre seguir sua vocação (já que estamos no mês das vocações). O caso é que na tarde silenciosa de hoje descobri esta música linda, e também um blog de alguém que, aparentemente, sumiu na internet sem deixar vestígios, mas que disse simplesmente:

O escritor de verdade tem necessidade de escrever, uma necessidade que vem da alma, e não um simples desejo. O escritor de alma não escreve pelo dinheiro, fama, reconhecimento, escreve antes de tudo para se sentir vivo. (...) Escrevo porque nos dias em que escrevo, eu me sinto viva, eu vejo um motivo para estar aqui nesta terra. Eu escrevo porque escrever me enche de vida, renova minhas forças! Eu me sinto plena, me sinto alguém! Nos dias em que não escrevo, fico em tempo de ter um treco! Bate logo uma tristeza profunda e só tenho vontade de dormir (pra esquecer a tristeza)!

Para mim, isso é poesia pura.

E é mais ou menos isso que penso sobre o que significa ser escritor.