quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Cony, Corridas, Preparação e Mozart

Você acredita em inspiração e intuição?
Em intuição, sim; inspiração, não. A intuição é o sexto sentido, é que nos indica que estamos no caminho certo quando duvidamos de nós mesmos, nos dá confiança. A intuição existe. Sou intuitivo, acho que todo mundo tem uma dose maior ou menor de intuição. Sou um intuitivo mediano. Mas não acredito em inspiração de jeito nenhum.
Mas, quando a coisa não avança, você credita esse fato a quê?
À preguiça. Não sou mais jovem e já tenho uma estrada percorrida que dá uma certa fadiga. Não espero nada da inspiração. Não há inspiração. Por exemplo, para escrever as crônicas para a Folha de S. Paulo, sento ao computador, escrevo o cabeçalho, endereço ao editor e entro na crônica propriamente dita. Essa crônica é publicada na segunda página, junto com outras duas. Uma vem de São Paulo, a outra de Brasília e a minha, do Rio. Quando acabo de escrever o cabeçalho, paro e penso: e agora? E tem o tempo para entregar. Às vezes solto uma palavra sem mais nem menos, e assim uma palavra acaba puxando a outra e nasce a crônica.

Carlos Heitor Cony, em entrevista.

Descobri este duo de sax tenores muito fera chamado Sketchbook, de Dave O’Higgins e Eric Alexander, e também hoje ouvi sobre preparação, pode ser para as situações da vida, mas também vale para buscar a excelência de sua arte, seja ela qual for. Também tenho pensado no romancista e maratonista Haruki Murakami, que em seu belo Do que falo quando eu falo de corrida disse “as três principais qualidades que um romancista deve ter são: talento, concentração e perseverança”. Li hoje um trecho da vida de Mozart, que abandonou os brinquedos tão logo descobriu o que era música, ainda no começo da infância, e se pôs a trabalhar sem parar. Talento a natureza dá para alguns, mas concentração, foco e perseverança, tem que garimpar, e isso muitas vezes significa quebrar as pedras da preguiça e da procrastinação, assim como dizer não às outras milhares de distrações, diariamente, em um trabalho que deve ser de colocar um tijolinho todo dia, a fim de construir nosso sonhado muro, e na verdade esse muro não tem fim. O tempo para literatura aqui no escritório da Distant Thunders Co. anda cada vez mais escasso, e a única forma de combater isso é fazendo o possível, desde que o possível seja feito agora.
Sente e escreva. Agora. E depois continue escrevendo.
Faça o mesmo amanhã.
E depois de amanhã.
E então, sente e escreva. Leia, leia e leia um pouco mais. Agora.
Meu deus, como é difícil escrever.
Não ouça o canto das sereias, disse meu bom amigo e fotógrafo de mão cheia René Cabrales.
Sim, vou continuar tentando.
 

2 comentários:

  1. O canto das sereias é muitooo atrativo!!!

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  2. Bah, velhinho, nem fala. A luta é diária. Depois lembra de eu te comentar que o maior maratonista do Japão disse que todos os dias pensava em não correr, em adiar a prática.

    Esse mal não é só nosso. Mas, como se diz por aqui, não podemo se entregá pros hômi.

    Abraços, no aguardo do coffee.

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