domingo, 15 de março de 2015

Piano Para Pequena Clara – Dia 164

                             #PianoParaPequenaClaraNoJoSoares #josoares


15 de março de 2015

21:16

Cris está meio triste. Ela pediu para eu ficar por perto e nesse meio tempo me deu vontade de escrever – escrevo de outro lugar, não do meu quarto-cela, ao lado da única pessoa que deixo ficar por perto enquanto escrevo. Ela só não pode falar, este é o trato. Talvez ela apenas queira ter alguém com ela, talvez pense em sua família, da qual sei quase nada, assim como sei quase nada da minha – ou melhor: nada. Sei que ela deve ter existido, e talvez a história da pequena Clara, de Maria, a mãe, do maldito Claudius, doutor dos infernos, da vagabunda Lara, de Jonas e Marcos, tenha algo a ver com isso. Talvez seja por isso que sempre acho que vou conseguir viver sem escrever esta história horrível, que nem história é, sem chegar ao fim disso – e os fantasmas contidos nela voltam, e tenho que retomar a busca dentro desta caverna.

Sei que Sarah e seus delírios psicanalíticos tem alguma explicação para isso, assim como provavelmente aquele velho tarado, ídolo dela.

De alguma forma vai voltar, ouvi ela dizer um dia.

Aquilo que não quero ver. Aquilo que me dói.

Aquilo que tive de esquecer.

Aquilo que esqueci vai voltar, de alguma forma. E de alguma forma, já está voltando. Posso quase tatear, mas não sei dar nome. Não sei, como é a palavra, simbolizar. Por isso escrevo.

Blossom estava escrevendo em seu caderno semana passada. Hoje de tarde essas malucas estavam em volta da televisão vendo uma passeata de um protesto que aconteceu, cheio de bandeiras. Que diferença faz o que está acontecendo lá fora quando estamos todas presas aqui dentro, me pergunto – a menos que alguma de nós saia para viver em definitivo lá fora, o que não é impossível. Talvez quando eu descobrir como vim parar aqui, saia. Talvez quando eu lembrar.

Talvez quando eu quiser lembrar.

Blossom estava escrevendo em seu caderninho. Perguntei o que era, ela me disse que era uma carta de amor, depois disse que estava brincando, e olhou para baixo, procurando aquilo que se perdeu. Vi em seu rosto que ela devia estar escrevendo mesmo uma carta de amor e se arrependeu de ter me dito. Não sei se para alguém aqui de dentro, e só agora me pergunto isso. Cris me pergunta se quero jantar, respondo que daqui a pouco. A verdade é que quanto mais me afasto da história de Clara, mais difícil fica escrever.

Você sabe, sou uma péssima escritora. Péssima mesmo.

Mas em uma dessas madrugadas perdidas no tempo me ocorreu: esta história ruma para o fim.

Acho que já sei como ela termina.

Só não sei que sei.

Ou não quero saber que sei.

Esta merda de calor também ruma para o fim. Não sei mais em que estação termina esta história. Mas o penhasco, o penhasco do qual sempre fujo, se aproxima uma vez mais.

Quem sabe na próxima chuva?

21:43

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