sábado, 25 de julho de 2015

Piano Para Pequena Clara – Dia 177


25 de julho de 2015

Ontem foi aniversário de Dafne, a pintora que nunca mais vi por aqui, não sei se porque foi embora, ou porque deve ter casado com um desses malucos daqui ou do lado de fora. Faz tempo que não a vejo, assim como Lady Ballet, que também se enamorou por um desses doidinhos que circulam pelos corredores.

Que bom, amor por aqui. Por que não?

Porque não. Mas uma nova madrugada começa e talvez tudo seja possível. Dafne, que não deve ter pintado mais, porque acho que quando ela e Ballet e todas as outras se apaixonam esquecem momentaneamente do que as trouxe aqui, de sua loucura – ou talvez troquem uma loucura por outra, e às vezes esse é o combustível da vida. Uma vez eu disse para a Cris que nunca seremos normais, ao que ela acrescentou: graças a Deus.

Isso sim foi uma demonstração de amor.

Mas Daf deixou um guardanapo com um escrito para mim, todo estilizado, e que dizia: feliz dia do escritor.

Achei a coisa mais querida do mundo. Lembro que ela sempre perguntava se eu estava escrevendo. Loucos se entendem, se comunicam. Se amam.

Então decidi vir para cá, insistir mais um pouco nestas palavras sem nexo, apenas para dizer... o que mesmo? Não sei como foi o aniversário dela. Talvez eu devesse ter escrito antes, fazer um cartão como esses que faço e não entrego para ninguém, apenas escrevo estas porcarias de palavras que jamais serão lidas, mas que quando alguém neste lugar de muros altos e longos corredores faz aniversário se transforma em homenagem.

Talvez uma demonstração de afeto, eu que sou a Maria Que Procura Afeto.

A Maria Que Perdeu Afeto.

Sempre tento fugir, mas você que só existe em minha cabeça já deve adivinhar de quem vou falar agora: sweet lady Clara.

Tudo é sobre ela. É sobre descobrir como termina a história da pequena Clara. O que restou dela depois daquele médico maldito, Dr. Filho Da Puta, Dr. Abusador, ter criado a princesa mais linda do mundo, não como filha, mas como amante, maldito seja.

Ainda somos as garotas com fendas, pequena Dafne. E escrevo para tentar preencher esta lacuna. Esses dias Sabby disse, passando pelo corredor, “Maria precisa de chuva”. Foi uma frase forte. Acho que ela está certa. Mas choveu e talvez chova de novo, e não escrevi. Ainda não entendo qual a mágica que acontece e que – merda, não marquei a hora. Agora são 2 e 6 da madrugada. Estou enferrujada. Não importa, não devo pensar. Sarah me disse para não pensar, apenas escrever qualquer coisa.

Qualquer coisa pode ser perigosa.

Fujo de Clara, mas ela sempre volta para mim, e me cobra. Ela quer saber como acaba a sua história. Eu também, embora confesso que às vezes tenho medo. Aliás, geralmente tenho medo. Acabo de lembrar, embora também não tenha certeza, de que nesta mesma data ano passado Lady Brownie me deu um brownie pelo dia do escritor. É incrível, mas parece que há uma conspiração das minhas irmãs de asilo para que eu chegue no fim disso: descubra aquilo para o qual não consigo olhar desde a primeira frase que escrevi aqui.

Cheshire, Blossom, Acácia, Dafne, Cris, a Srta Vygotsky, com certeza Sarah. O Garoto Skinner. Será que todos eles estão por trás disso? Lady Ballet também.

Claudius, Maria, a mãe, Lara, Jonas, Marcos. A pequena Clara.

O piano.

Trocar uma loucura por outra.

Que sim, é o combustível da vida.

Obrigado pelo Dia do Escritor, Daf. Parabéns a você. Celebremos a vida. Louca ou não, é esta que nos foi destinada e existe algo que devemos fazer para chegar no riacho, no chafariz, do outro lado dos muros. Para fazer aquele piano tocar outra vez. Podemos fazer chover. Podemos respirar, quem diria, um pouco de amor, depois de tudo.
Depois de tudo, um pouco de amor.

Que é o melhor cartão que eu poderia escrever.

Esperança e um pouco de amor.

02:17

2 comentários:

  1. Querida Maria!
    Tão bom receber um cartão seu! É um presente muito simples, mas de valor imenso! Sim, para sempre seremos e teremos fendas e elas que nos deixam e nos fazem viver. Tenho grande saudade dos papos nesse corredor. Não parei de pintar. Assim como fazia a pergunta se estava escrevendo me fazia e faço a mesma se eu estava pintando. Adquiri novas tintas e telas e em breve espero leva-las até você. Vamos celebrar Maria! Parabéns pra você e parabéns pra mim! Beijos Daf

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    1. Precisamos de tintas e de frases para aliviar as fendas, para fazer as pazes com elas - que às vezes parecem bonitas, como obras da natureza selvagem, às vezes apenas mostram seu vazio, seu oco, sua incompletude de tudo que está na volta. Fico feliz de saber que tua pintura vai seguir e saiba que o corredor estará te aguardando. Voltemos ao corredor, voltemos para que as fendas possam fazer sentido.

      Com carinho, Mary.

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