domingo, 10 de janeiro de 2016

Piano Para Pequena Clara – Dia 192


Domingo, 10 de janeiro de 2016

00:51

Cris disse que não imaginava que eu fosse tão louca. Ela disse isso, acho, a partir da minha cara, que como sempre não consigo descrever. Aliás, não consigo descrever merda nenhuma, nem como me sinto, mas perguntei apenas o que seria uma pessoa normal. Ela conseguiu descrever o que seria, aos olhos da sociedade. E acrescentei: graças a Deus não somos assim. Ela riu e disse que eu deveria estar com abstinência de escrever.

É verdade.

Sempre que fico um tempo sem escrever, mesmo que lute – sim, eu luto, mas sempre perco – para não retomar aquela historinha insossa e cheia de dor que não consigo terminar, acontece isso. Fico mal. Maria Que Precisa Vomitar.

Me dói o estômago quando escrevo isso.

Lembrei de Ballet agora, que não vi mais.

Sei que um ano novo começou e não escrevi. Não que alguém sentisse falta. Além de mim, porque adoeço quando fico só presa dentro de mim, no mais fundo do inalcançável fim desta caverna. Não sei o que escrever, a mágica ainda não voltou. Meu peito dói. Sarah disse, desde o começo, apenas escreva. Escreva e não julgue, escreva e não pense.

O ano novo. Claudius voltou a beber depois de dez anos? Lara, titia putinha, estava junto, podia estar com uma roupa branca de réveillon, branca e apertadinha, ou talvez abrisse a camisa, mostrasse o sutiã, talvez eles já estivessem flertando, não, flertando, não. Talvez já estivesse rolando algo, certamente que estava. Claudius que deveria ter ido para o hospital cuidar de Maria, internada em plena noite de réveillon, mas preferiu fazer um brinde com a titia-putinha-com-roupa-branca-de-reveillon, ela que deve ter perguntado, vamos fazer um brinde, doutor?

Vagabunda.

E Clara, Jonas e Marcos?

Foram dormir mais cedo?

Se ele não tivesse tomado aquele gole, a história de Clara teria sido diferente?

Mas talvez ele não tenha tomado. Tenha dito não para Lara. Não sei se isso foi possível, mas depois de criar aquela cena da árvore de Natal gigante com papais noéis de chocolate – sim, isso eu lembro que escrevi; será que minha memória está voltando aos poucos? –, passamos pela virada do ano aqui no Asilo, e foi uma entrada tranquila.

Às vezes até esqueço do tempo que estou aqui.

Penso em sair, mas naquela noite, e às vezes: quis ficar um pouco mais.

Talvez um ano novo com um pouco de esperança, nem que essa esperança seja eu escrevendo para mim mesma, para sanar a dor que volta de tempos em tempos. A mágica ainda não voltou, não consigo mais escrever.

Jonas e Marcos. O que aconteceu com eles?

Minhas costas e meu peito doem. A escrita vem difícil. As palavras não saem. Mas Sarah disse apenas: escreva. Sei lá por quê, senti falta de suas aulas agora, na madrugada de sábado para domingo. Penso em Brownie, Cheshire, Acácia, Sabby e Blossom. O Garoto Skinner. Estarão dormindo? Passeando escondidos por aí? Cheshire e seu chafariz, Blossom e seu bloquinho. Brownie e seus doces com cheiro de infância. Dafne e sua novidade, dormindo – ou acordando, chorando, dormindo. A mágica não voltou. Não consigo mais escrever.

Cris falou em voar pelos muros.

Não quero perder minha garota.

Outra, não.

Eu voaria pelos muros, se pudesse. Mas não há nada do outro lado. Então ainda me resta continuar desenterrando esse fóssil em busca daquilo que não encontrei desde que comecei a escrever: Clara brincando na praça com sua mãe Maria, ou talvez deitada sobre suas costas, ambas sobre a grama, em um dia de sol. Uma praça em família. Aliás, uma família. Sem Claudius com cheiro de álcool, Dr. Inatingível E Alcoólatra, nem Lara Puta de Roupas Brancas e Apertadas de Réveillon, nada desse lixo.

Não, apenas uma família.

Talvez houvesse em algum lugar uma piscina inflável de gominhos em que a pequena Clara, seu irmão Jonas e seu primo Marcos, brincassem e rissem. Eles riam, eternos como uma risada infantil.

Um risada infantil com inocência.

Inocência eterna que não poderia ser quebrada.

Por um dia que eu gostaria de eternizar em uma foto, e acho que escrever é isso mesmo, a gente poder parar o tempo: a inocência e a risada infantil não seriam quebradas.

Suspiro.

Bem aos poucos, a mágica começa a voltar.

Não sei se sorrio. Mas sei que não tenho mais vontade de chorar.

Obrigado, querida Cris.

01:23

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