quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Nanowrimo - Dia 7



Lady Clara.

É assim que chamavam ela. Uma dama, uma princesinha.

Lady Clara. Lembrei disso hoje, e me deu saudades e, claro, uma tristeza, daquelas que a gente sente quando pensa no passado e percebe que é apenas isso, o passado. Que passou, acabou e não volta, não importa o quanto a gente queira voltar. Ele não vai voltar.

Um pouco por isso, escrevo.

Escrever é uma forma de parar o tempo. A gente tira fotografias que não vão se perder, o que está escrito, fica. A pequena Clara, em meu sonho, ainda brinca no quadrado de areia, depois que cai do escorregador. O maior dos tombos a esperava pouco tempo depois, e a esse tombo seguiram-se outros, um pior que o outro. Mas até ali, ela apenas brincava. O homem alto e moreno ainda brincava com ela. Apenas brincava. No quadro de hoje, as duas mulheres não estão presentes. Talvez a mãe ainda esteja no hospital. Onde está a irmã? Talvez tenha ido no armazém, que já está aberto. Hoje é um novo dia. Ela compra pão de centeio. Clara adorava roubar o miolo do pão, fazer bolinhas com ele. Da casca, não gostava muito. Fazia a maior sujeira, e os caquinhos de pão ficavam espalhados pela mesa de madeira, redonda e azul. Mesa de armar, lembrei agora. Tudo que arma, se desarma um dia. E assim foi com aquela família.

A história vai voltando aos poucos. Comecei a escrever isso porque achava que ia encontrar essa história, e ainda acho. Minha cabeça dói de novo, como se ela tivesse sido atingida por uma pedrada. De tempos em tempos, ela volta a doer. Adoeci esses dias, como você bem notou. Você, que aos poucos deixa de ser meu personagem para ser meu interlocutor. É para você que escrevo, mas para mim, pois preciso chegar ao fim disso. Preciso, pelo menos, tentar. O relógio continua seguindo em frente, assim como tento seguir. Não olhe para trás, quem olha para trás não é digno do reino dos céus. Mas preciso fazer alguma coisa com essas memórias. Não posso mais fingir que não estão lá. Não posso, ao contrário do que acreditei todo esse tempo.

Preciso continuar escrevendo, porque acredito que essa luz vai aparecer se as frases forem se acumulando. Como é o nome disso, livre associação? É assim que pensamos, é assim que escrevo. O homem moreno, daqui a pouco lembro do nome dele, trabalha em um hospital. Veja, não tínhamos nada. Agora já temos uma praça, um armazém e um hospital, que surgiu hoje. Ele trabalha em um hospital. Enfermeiro, médico? Ainda não sei detalhes. Por isso continuo escrevendo. Para entender tudo que passou, quem sabe mudar alguma coisa. A história é minha, posso fazer o que quiser com ela. Ou será que não? Apenas devo escrever o que ela me dita. Apenas obedeço a sua voz. Na busca por Clara, Lady Clara. Seu nome é Clara. Você gostou dessa frase, não? Eu também gostei. E acho que ela também teria gostado.

Nunca gostei do meu primeiro nome. Mas ainda não é hora de me revelar para você. Senão vai perder a graça, e espero que você continue lendo mais um pouco. Espero que, de alguma forma, a gente mantenha esse suspense, pelo menos por enquanto. Tudo que posso dizer no momento, e é isso que eu queria que você guardasse, nunca gostei do meu primeiro nome, e um pouco por isso não vou dizê-lo a você hoje.

Imagino que a essa altura do dia, e pelo fato de eu ainda não ter dado notícias, você tenha pensado que eu não ia escrever. Pois se enganou. Se eu parar, ambos morremos, lembra? Então vou continuar. Tarde, mas vim até aqui, assim como sei que você vai aparecer, você que já está se mostrando.

Enquanto isso, a pequena Clara desce uma vez mais o escorregador.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Nanowrimo - Dia 6


Sei lá por que, me deu raiva agora.

Muita raiva.

De repente, intuí como termina esta história.

Eu vi, mas fingi que não vi.

Um dia você vai entender. Espero que entenda, espero que alguém entenda. Talvez eu entenda, mas isso não é assunto para agora. Agora não é um bom momento.

Voltemos a praça. Tem um escorregador e quatro balanços, de diferentes cores. Quatro gangorras também, mas não lembro as cores. No fim do escorregador, um quadrado com areia dentro. Um cercadinho, eu diria, e o homem grande brinca com a garotinha. O homem alto e moreno brinca com Clara. A mulher, não sei onde está, e não consigo vê-la. Apenas anotei em algum lugar: mãe com depressão pós-parto e irmã se muda para cuidar da criança. Esta criança é Clara? Cinco anos? Ela parecia uma garotinha feliz. Poderia ter sido a menina mais feliz do mundo, como toda criança feliz, sempre a mais feliz do mundo. Poderia e não foi, ou poderia ter sido algo mais?

O armazém fica lá nos fundos, atrás dos outros prédios, longe demais para uma criança ir sozinha até lá. O armazém está fechado. Deve ser domingo. O homem brinca com Clara. Como é o seu nome? Ele é íntimo demais para um homem com uma criança, ou isso seria apenas meu olhar de pessoa adulta olhando como adulto para a criança, que não tem a mesma ideia de sexualidade do que eu? Ainda não é hora de falar dessas coisas. Apenas intuí como esta história termina, e ainda posso mudar seu final. Neste momento frangível do tempo, para roubar a expressão de Stephen King, aquilo que mais quero é mudar o fim. Se o fim for mesmo esse que sonhei, que sonhei sem dormir, e quisera ter dormido para ter certeza que era apenas um sonho, então ainda espero que o fim mude antes do fim. Por enquanto, tudo o que sei é que o armazém está fechado, então deve ser domingo. O homem magro e alto de cabelos escuros brinca com Clara. Ela parece feliz. A mulher, nem a mulher, que penso ser a oficial, nem a irmã, que talvez tenha mesmo se mudado para a casa deles porque a irmã (Priscila?) teve depressão pós-parto. O que aconteceu? O que acontece agora? E como viemos parar aqui?

Como viemos parar aqui?

Para entender isso, vou ter que cavocar, mergulhar na areia movediça do passado. E se não for inventado, deve ser recriado. Quem sabe mudar o passado, assim mudaríamos o fim. Pobre Clara. Talvez ainda dê tempo, talvez ninguém chegue lá. Talvez a descida do escorregador se demore mais e o tempo possa parar. Uma descida que não tem fim, e quando Clara chega na areia, ela já tem vinte ou vinte e cinco anos. O passado, se não foi deletado, pode ter pulado para frente, feito um videocassete que a gente avança a velocidade – lembra o que acontece quando você colocava o fast forward? E acabo de perceber que o você para quem me dirijo, a pessoa que colocava o fast forward no vídeo, quando mais ninguém tinha vídeo, a revolução das fitas VHS, pode ser uma outra pessoa nesta família, alguém que entrou de gaiato, sem ser convidado, pela porta dos fundos. Talvez esta história tenha mais gente do que planejava. Os personagens vão nascendo nas esquinas dos parágrafos, entre uma frase e outra. Tem mais gente nesta festa, e agora tenho certeza que tem mais gente do que comporta este salão, e mais gente do que estava na lista. Penetras que vêm para estragar – ou salvar? – a festa.

A raiva vai passando enquanto escrevo, e preciso continuar escrevendo. A história já existe, e aos poucos ela vai se mostrando para mim, tirando do mundo das ideias e colocando no concreto de um papel. Ou, vá lá, na tela de um computador. Smartphone, ebook, seja lá onde você esteja me lendo. Que bom que você continua por aí. Que bom que você não desistiu de mim, nem eu de você. Desistir de você, desistir de escrever, é desistir de mim, e desistir de mim é desistir da vida. E não posso desistir, não hoje. Espero que nem amanhã, mas definitivamente: hoje não.

Talvez você espere até amanhã para continuar me lendo. Ou queira continuar me lendo agora. Você tem curiosidade, quer saber o que acontece com Clara. Quem é o homem alto e moreno, tipo, Homem Alto e Moreno, um personagem. Mais um nesta trama. Infiltrados e submersos nesta narrativa incerta.

Talvez funcione. E talvez a gente ainda possa mudar o final.

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Nanowrimo - Dia 5


A história começa a acontecer, diz você. A história, que ainda não é nada, talvez um delírio, vai acabar sendo alguma coisa. Ao fim de tudo, quando sairmos do outro lado, ela será verdade. Você me falou de lugares, um armazém, que lembro estar fechado. Mas o que vejo daqui, sem que você me veja, é uma praça. Sim, a história começa a acontecer, ou volta a acontecer, porque talvez já estejamos na metade, em uma praça. Daqui espio, como se vendo através das paredes, e você tem cabelo preto, é um homem alto e magro. A mulher está com você, e ela também é alta e magra. Ambos têm os cabelos escuros, mas o dela é mais claro que o seu. A garota está com vocês e todos brincam na praça, com a grama verde, um redondo de areia e alguns brinquedos na volta. Daqui posso ver os balanços e as gangorras. O escorregador. E a criança caminha ou corre? Ela depende de vocês, e talvez essa seja a sua mulher, mas não sei se “sua”, como um pronome possessivo. Ou talvez “sua” no sentido possessivo, sim, mas talvez não oficialmente. Ainda há a irmã, que talvez venha visitar hoje para um chá. Ou essa é a irmã? Temos aqui um triângulo amoroso e ninguém percebeu? Essa filha é sua ou dela, ou de ambos, e a sua mulher a adotou? Foi roubada de alguém, da mãe verdadeira, porque você amava uma dessas mulheres, que não podia ter filhos, e deu esse presente a ela? E a garota, que brinca com a mulher, que brinca com você, cansado do serviço, sabe da verdade? O que você contou a ela? O que vocês contaram, além da história da cegonha? Um dia, quando for tarde demais, e eu sei que vai ter sido tarde demais, ela vai saber, e se decepcionar com todas as cegonhas do mundo.

Enquanto isso, e enquanto você fala baixo para a mulher na pracinha, a criança continua a brincar. Ela não pode ouvir a verdade. Ou talvez nem seja essa verdade a que você está falando, mas ela não deve ouvir o que por enquanto pertence apenas ao mundo dos adultos. Alguém vai matar alguém? Você vai ficar viúvo, sabendo e querendo e esperando ficar viúvo, para poder ficar com a irmã? Isso é, se ela for mesmo a irmã. Por que ela faria isso? Dinheiro, amor, poder? Por que ela faria isso? Por que você faria isso? Ainda não sei, mas a brincadeira continua.

A porta se abre na cela em que estou. Que bem pode ser um quarto, como já expliquei. O lugar de onde escrevo. O relógio continua correndo, e não sei se essa escrita vai se prolongar por muito mais. Ainda não nos conhecemos e, confesso, houve momentos em que achei que isso nunca fosse acontecer. Continuei por um simples ato de fé. A escrita é um ato de fé, não uma questão de gramática, disse Doctorow. Ou foi E.B. White? Meus braços cansam de novo, meus dedos parecem que não vão chegar ao fim disso. Mas por hoje sei que temos um homem alto e moreno, uma mulher alta e magra, cabelos castanhos, e uma garotinha brincando na praça.

Faço anotações, espero eles me contarem sua história. Mas sou o intruso. Ainda não é hora da garota contar sua história. E ainda não sei bem por que, mas acho que ela sabe de tudo. Sabe, mas não sabe que sabe. Daqui a pouco anoitece e a criança vai ter que voltar para casa. Acho que o nome dela é Clara, mas ainda não tenho certeza. Sei que ela vai ter que voltar para casa daqui a pouco, e vou ter que esperar até amanhã para saber o que mais existe nesta história, que ainda não consigo enxergar, que você já sabe, mas ainda não vai me dizer. Quem sabe amanhã?

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Nanowrimo - Dia 4


A gente só precisa começar. O difícil é começar. Começamos, duas frases atrás. Adoeci, mas tinha que vir aqui. Vai que hoje seja o dia de você aparecer, e por um descuido meu, você fugiu... de novo? Um homem, uma mulher, a irmã, uma garotinha. Personagens desta história. O que eles fazem, onde moram? Onde você mora, se esconde, habita? Aqui nesta cela, que bem poderia ser um quarto, ou neste quarto, que bem poderia ser uma cela, me pergunto. Ninguém responde, mas você sabe: o relógio está correndo, e o relógio correndo me obriga a escrever. É possível que eu tenha esquecido alguma coisa? Inclusive esquecido do homem, da mulher, da irmã e da garotinha? Lembro que me perguntava como era esse homem, qual era sua idade, como ele se vestia, e por que ele estava deitado no sofá. Cansado de quê? Vindo de alguma missão, um assassinato ou pagamento bancário. Brincando de escrever, você disse, mas escrever é sempre brincar, sempre playground, só que levado a sério. Imagine, levar um playground a sério. Do outro lado do oceano. Sua mensagem chegou até aqui. E talvez isso que escrevo agora chegue a alguém, do outro lado do oceano, ou na esquina desta casa, ou na cela ao lado.

Você nem se importou em perguntar por que fiquei doente, mas não importa: passou. Pensemos em um armazém. Vejo um armazém, mesmo a janela estando fechada. Um armazém com caixas verdes e amarelas. Uma fruteira. Deve ser lá que você se esconde. Fugindo do quê? Ou você trabalha lá? Ou você trabalha lá E está fugindo de alguma coisa? Retomo a ideia do assassinato. Por que será que pensei nisso? Inconsciente, você dirá, sim, mas o que está por trás disso? Onde termina esta história? No armazém? Ou o armazém é o começo da história? Penso em um banco. Aí a ideia do assalto faz sentido. Clichê, você dirá, mas a vida é clichê. A vida é tão sem graça que por isso inventamos as artes. Por isso inventamos a música e a pintura, inclusive inventamos a narrativa, e estamos vivos porque nos narramos, já dizia Rosa Montero. Escrevemos o relato de nossas próprias vidas inventadas, dizia ela. Somos personagens de uma história que ninguém vai ler, como ninguém vai ler esta aqui. Só você. É por você que vim aqui hoje, e tenha certeza: é por você que estou vivo. Neste momento, você intui que sou homem, por causa do “vivo” e não “viva”. Os gêneros nos entregam. Mas isso é apenas um detalhe. Você e eu somos apenas detalhes. 
Aliás, todo detalhes.

Quarto dia de cativeiro, quarto dia de mensagens atiradas ao mar dentro de uma garrafa ou dobradas para que o pombo-correio entregue para... quem? O homem, a mulher, a irmã. Ou a garotinha? Onde vai dar tudo isso? Sei que você não sabe, ou não pode me contar, ou não vai me contar, de qualquer forma. Brinco de escrever, mas graças a isso estamos vivos. Você, que eu ainda não conheço, e eu. Guarde isso: enquanto eu continuar escrevendo você e eu permanecemos vivos.

Isso é tudo o que sei até o momento.

domingo, 3 de novembro de 2013

Nanowrimo - Dia 3


De novo, você adivinhou. Eu não ia escrever hoje. Talvez seja hora de desistir. Ambos morreremos e talvez ninguém sinta falta. Mas juro que ouvi sua voz. Não conheço seu rosto, seu cheiro, o tom da sua pele. Nem sei se você é singular ou plural. Mas ouvi a sua voz: "você tem que escrever hoje". Esse talvez seja o mais perto que vou chegar de você. Por enquanto. Sei que você sabe, mesmo que eu ainda não saiba, que não vou desistir de encontrar você. Veja, você sabe, mas eu não sei. Penso em desistir, por que insistir nisso? Por que mais cinco ou dez minutos disso, se poderia sair daqui e tentar outra coisa, qualquer coisa? Mas então descubro que não posso sair daqui, deste lugar de onde escrevo, e você ainda não sabe que lugar é este porque eu ainda não contei.

Ainda não é hora.

Por isso continuo caminhando e abrindo caminho neste mar e nesta selva e nesta constelação de palavras. Hoje continuo escrevendo, mais por você do que por mim. Porque você sabe que preciso continuar aqui, e apenas intuo que você também não pode sair daí. Será tão...

O texto se perde e não consigo lembrar o que estava escrito. Talvez fosse a chave - e acabo de perdê-la. Meu deus, como sou idiota. Acabo de perder a chave que liga eu + você, a chave que ia me fazer sair desta sala.

Sala? você pergunta.

Sala, mas ainda não é hora de falarmos sobre isso. Mas a memória de eu estar falando sobre mensagens lançadas ao mar dentro de uma garrafa me volta à mente. Talvez a chave comece por aí. Talvez esse diálogo sobre você seja na verdade sobre mim, e eu estou procurando a mim mesmo. Você ainda não sabe quem sou, de onde escrevo, e eu também não sei se você é... Bem, não sei nada sobre você e nada mais justo. Não sei se você é singular ou plural - já escrevi isso? Escrevi e se perdeu. A chave está em algum lugar e se já a vi uma única vez, assim como sonhei com você, céus - vai acontecer de novo. Então eu sei que amanhã vou pensar de novo em não vir, em não escrever.

E a única coisa que peço é que sopre em meu ouvido, mande uma mensagem telepática ou simplesmente apareça em meus sonhos hoje e diga, assim baixinho, como quem não quer dizer nada, dizendo tudo, e você sabe que vou escutar: "você tem que escrever hoje." 

sábado, 2 de novembro de 2013

Nanowrimo – Dia 2


Juro que pensei em não escrever, em não escrever hoje, e se não escrevo hoje não escrevo nunca mais. Mas nisso já estou escrevendo. Então apenas devo continuar caminhando nesta floresta até que o clarão apareça – ele vai aparecer, sei que vai. Vou caminhando enquanto a confusão e a dor vão ficando para trás, e sei que elas seguem meus rastros, também caminham, feito filhas que não querem ser largadas, não querem deixar o papai sair para trabalhar – não nos abandone, preciso de você, gritam elas. Mas eu, eu mesmo, também preciso de você e você, embora talvez ainda não admita, também precisa de mim. Sou o narrador a procura de uma história e você faz parte da minha história. Talvez não queira fazer parte, mas eu decidi que você faz parte. Chega de pedir permissão. Apenas decidi e continuo caminhando nesta floresta: você está comigo nesta jogada.

A minha busca, que é a busca de uma história, que bem poderia ser, pensei agora, a busca por uma identidade, já que ainda não sei quem é você e você tampouco sabe quem eu sou, é a minha busca por você também. Que é meu personagem, talvez meus personagens, talvez o homem, a mulher, a irmã e a criança de quem falei ontem, mas também não sei nada sobre eles. Talvez você seja um deles. Talvez você seja todos eles, e a minha busca que acho ser de um é de vários. Meus braços e pernas cansam de novo, mas preciso continuar escrevendo senão ambos vamos sumir. Lembra aquele filme do cara que colocava bombas nos lugares de serviço e a mulher tinha que escrever SAM sem parar, que era o nome do seu ex-namorado e que colocou a bomba sob o computador do escritório dela, sob pena de todos explodirem? É mais ou menos isso o que estou fazendo. Não posso parar de escrever, ou ambos vamos pelos ares. Já disse Onetti que não posso obrigar você a continuar me lendo, mas você não pode me impedir de continuar escrevendo, e isso faz muito sentido. A dor e a confusão vão ficando para trás, a falta de ter um lugar no mundo também. Neste momento, escrevo do meu lugar no mundo, da minha Pátria e cada palavra que escrevo é um tijolo a mais nesta construção. Que tem tudo para ceder aos ventos, às tempestades que certamente virão. Mas continuo caminhando, continuo remando, continuo escrevendo, porque é isso que fará você se materializar na minha frente.

O relógio, já reparou? Parece que ele aumenta de velocidade com o passar do tempo, os minutos e os segundos vão ficando menos, como se menos fosse o tempo, e ele é mesmo. Não deixe o tempo passar por você, passe pelo tempo, algum professor disse, e alguém de reputação estabelecida, talvez um filósofo ou poeta, ou poeta como todos os filósofos, deve ter dito isso antes, mas se parar para pesquisar vamos, você e eu, sumir sem deixar vestígios.

E agora?

Agora, não sei. Só sei que preciso de você e preciso que não se demore muito para aparecer, você cujo rosto ainda não conheço. Você, homem, mulher, irmã, criança. Será que é um animal de estimação que estou procurando? Como encontrar se não sei o que estou procurando?

Mas eu saberei quando encontrar você. Depois de encontrar, saberei.

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Nanowrimo - Dia 1


Comecei a escrever livro novo hoje.

Mas por enquanto isso é tudo o que sei dele.

Não, vamos direto ao que interessa.

Não tinha a menor ideia de sobre o que era esta história até chegar bem perto do fim. Sim, isso é verdade. Me disseram para sempre dizer a verdade, mas também disseram que eu não ia chegar ao fim disso. Tudo começou quando pensei em contar esta história, mas ainda não sabia que história era essa. Basicamente, era um narrador a procura de uma história, buscando contar seu livro novo, ou Livro Novo, provisoriamente chamado, assim com maiúsculas, porque as coisas importantes levam maiúsculas, tipo Quero Ser Grande, então, Maiúsculas, porque tinha certeza que essa história ia ser sensacional, grande, isto é, Grande, como Grande e Maiúscula. Só precisava de uma história para contar a história, o que não era tão assustador quanto a princípio pareceu. Precisava de personagens, e qualquer personagem serviria. Eu mesmo seria um personagem, se não conseguisse criar mais nenhum, e talvez não conseguisse, porque eu estava correndo contra o relógio, e o relógio é uma excelente musa inspiradora, é capaz de fazer a gente realizar maravilhas, mesmo que no começo disso tudo não achasse que fosse conseguir, como não acho, como nunca achei. Meus dedos cansam, e o relógio continua correndo. O tempo está terminando, mesmo que neste começo - ou naquilo que eu achei que seria o começo, em minha ingenuidade - eu ainda pense que temos tempo. Temos, você e eu, porque não estou sozinho. Ou talvez esteja, mas sei que, de alguma forma, você está aí. Ou espero que esteja, quando eu terminar. Mas não se prenda a isso, pelo menos por enquanto. Dizia eu que se não conseguisse criar personagens, eu mesmo seria um, e depois, como fazem muitos, ia mentir que era ficção.

Se tivesse ideia da imensa verdade contida na mentira que acabei de inventar, se soubesse onde ia parar essa história de que eu poderia ser um personagem, se não pudesse inventá-los, juro que teria parado de escrever neste exato momento. Ou naquele exato momento, já que neste exato momento temos uma pequena falha de tempo, e portanto estamos distantes. Mas logo voltaremos. Não vou desistir de você. Não sem luta.

II

Pausa para respirar. Mas o relógio continua correndo, acabo de lembrar. Devo continuar escrevendo, senão estamos mortos (eu, provavelmente, antes de você, mas acredite: se parar de escrever, mesmo que ainda não saiba sobre o que escrever, apenas tento manter sua atenção e se não mantiver, se você a esta altura do parágrafo não estiver mais me lendo, se parar de escrever, tudo termina. Estamos mortos, sumimos na falha do espaço-tempo. Desculpe, mas acredito de verdade que você vai sumir antes de mim. Talvez já tenha sumido e eu esteja falando para as paredes, escrevendo um texto que ninguém vai ler - ainda assim, escrevo. Escrevo, logo existo. O pensamento e a narrativa vão dando voltas e voltas, colocando o dedinho na água fria com medo de se atirarem na piscina - medo, temos medo. Por isso devemos continuar.

Continuo procurando os personagens. Pouco antes de tudo isso começar, pense em um homem, uma mulher, talvez uma irmã (dele ou dela?) e uma garotinha. Quantos anos ela tem? Diga-me você, que talvez tenha uma visão melhor que a minha. Certamente que tem. Neste momento, posso quase ler seu cérebro, mas não consigo captar a imagem da garotinha que você criou, poucas linhas atrás. Diga-me, qual é a cor dos seus cabelos? Ela é parente do homem e da mulher? Da irmã, talvez? E se o homem fosse eu, e você já sacou, você que sempre tenta pescar autobiografias naquilo que escrevo. Mas e se na verdade eu for mulher? Ou a irmã? Ainda não disse quem sou, quem conta esta história, nem de onde escrevo. 

A história que busca uma história traz outra história, que ainda não descobrimos? Tudo isso faz parte de algo que já existe, mas em nossa ingenuidade, ou quem sabe alguma pressa, ainda não conseguimos visualizar? Diga-me, você que enxerga melhor do que eu. Tenho certeza, ou quase certeza. Nem bem certeza. De que estávamos falando? 

E se tudo isso for um grande problema de amnésia? Não, falta de atenção, é o que sempre acontece. O relógio continua correndo. Meus dedos e ombros e braços doem, estão cansados de escrever. Mas preciso continuar, aconteça o que acontecer. Talvez morra antes do fim da história. Antes do relógio soar meia-noite. Por volta da meia-noite, que é um horário mágico, estaremos todos mortos. Enquanto isso, corro. Não posso desistir. Nem por você, nem por mim. Ou talvez mais por você do que mim - seria desapego ou caridade?

Outra pausa para respirar. E a única coisa que sei, enquanto procuro o homem, a mulher, a irmã e a outra garotinha, e nem sei mais se eles são assim, já que você não quer (ou não pode?) se comunicar comigo, é que preciso continuar escrevendo. 

(Desculpe se tiver algum errinho de ortografia ou mesmo concordância aí em cima. Semana que vem, ou mês que vem, quem sabe ano que vem, algum dia a gente revisa junto, quando você e eu estivermos mais perto um do outro. Mas isso é assunto para depois, é claro.)