segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Porto Alegre, 30 de agosto de 2010

Right on: conseguimos.

Sentado em um dos bancos da Catedral Metropolitana em meio ao silêncio celestial e os barulhos da segunda-feira de manhã acontecendo do lado de fora, escrevo no caderno sobre meu colo o parágrafo final da narrativa que teve sua gênese no nada saudoso janeiro de 2006. Uma turma do jardim de infância invade meu silêncio e o isolamento espiritual deste caderno, que comprei junto com uma caneta mágica que não tenho mais, com a clara intenção de escrever O Livro. Claro que com pretensões astronômicas a narrativa não fluiu muito. Mas vamos do início, enquanto as crianças silenciam e tiram fotos da Catedral e agora saem em fila indiana. Pois bem, no muito longo janeiro de 2006, me sugeriram escrever sobre um assunto x, e naqueles dias distantes conheci a linda How far will we go do Kip Winger, e essa música provocou a fagulha inicial, tão necessária para querer contar uma história, embora naquele ponto não tinha, nem poderia ter, ideia do que queria escrever. Tinha imaginado contar a história toda em um dia, talvez influência de Jack Bauer e sua turma, cuja Quarta Temporada me ajudou a atravessar aquele mês. Tinha me programado para escrever tudo em três meses, mas levei mais de três anos. Na verdade, ainda tinha mais da metade do um pouco eterno livro para escrever, que foi concluído dia 13 de dezembro daquele ano. No reveillon de 2007, quando cheguei em casa, ouvi How far will we go e comecei o esboço inicial, no histórico caderno onde escrevi a autobiografia do RIP aos 15 anos, cuja redação do texto em detrimento de um trabalho de biologia me rendeu uma reprovação no fim do ano.

Comecei a narrativa propriamente dita em 20 de março de 2007, quando começa o outono e o dia no qual se passa a história. Lembro que, como sempre deixei tudo para depois, disse que só ia escrever quando estivesse friozinho, e no dia seguinte ouvi na íntegra pela primeira vez A Love Supreme, que John Coltrane humildemente dedicou a Deus. Até hoje quando passo pela escadinha que conduziria ao apartamento e à gaveta do computador, sobre a qual comecei a escrever este livro, penso em Resolution, em ter um propósito e nas cartas de Vargas Llosa, quando ele sugeria que a vocação literária deveria ser tratada como uma servidão livremente escolhida por suas ditosas vítimas, e que só aqueles que se dedicam à literatura como a uma religião, dedicando seu tempo e esforço, seriam capazes de escrever uma obra que os transcenda. Acontece que a minha caneta travou, e entrei num desespero e vazio pós-um-pouco-eterno-livro por achar que nunca mais seria capaz de escrever nada. Foram madrugadas e madrugadas insones, de vazio literário, mas continuei escrevendo neste caderno, e as páginas foram cobertas de lamentos e anseios e como na falta do teclado, a caneta corta igual, fatiando meu coração no vazio das madrugadas, aqueles escritos todos foram condensados em quinhentos caracteres, que gerou o conto de mesmo nome, publicado dia 1° de dezembro no Contos de Algibeira, na Alameda dos Escritores, perto da fonte onde fiz um pedido (mas isso é assunto para outros posts). Na sequência do conto, assinalei que a musa não aparece, Deus está de greve e também entrei na paranoia de não ser mais capaz de escrever por não ter musa. Escrevi em algum lugar perdido neste caderno que a musa ia aparecer antes da conclusão da narrativa. No dia 12 de junho de 2008, meses depois de eu ter trabalhado em uma livraria e meses antes de trabalhar com o queniano Roger na Feiarte, Dia dos Namorados e um dia antes do Dia de Santo Antônio, Deus saiu de greve. Mas a narrativa continuava trancada, difícil de sair.

Foi quando pela primeira vez tentei uma bolsa para escrever um livro, tinha apenas a 1ª versão de 1/3 do livro. E não ganhei. Então, no mesmo dia, me determinei a escrever este livro de qualquer maneira. Até ali, o texto já havia sido escrito em dois apartamentos do Pombal, no caderno entre mesas de cozinha e a tal bancada com a gaveta do computer, mais um trecho - não posso deixar de registrar - sentado de costas para o Centro Cívico e de frente para o Nahuel Huapi, em Bariloche, entre abril e maio de 2007, para finalmente migrar para o computador, onde foi escrito o restante. Então tentei uma bolsa pela segunda vez. E pela terceira, e pela quarta. Não sei se recusaram o texto ou o projeto. Mas penso em tentar uma quinta vez. Afinal, o que recém terminei foi apenas a primeira versão - versão é contar a história do início ao fim, a história inteira, como disse Hemingway e aprendi lendo a Bíblia. Então, acho que ainda tenho meses de trabalho. Que bom. Como disse Llosa, a maior recompensa da vocação é o exercício da vocação. Claro que também contou, no início deste mês das vocações que já está acabando, ler sobre o poder mágico dos prazos destes caras que escrevem um romance em um mês, o outono deles, mesmo outono (e fim de verão) sobre o qual escrevi, e me determinei a terminar o livro (bem, pelo menos a 1ª versão) até o fim do mês, et voilà.

Quando comecei a contar a narrativa - a história acabou tomando outros rumos, que bom, sinal de que ela se emancipou de mim - tinha imaginado I'll be over you para orquestrar uma cena de beira de estrada, perto do fim, e hoje vou ouvi-la, caiba ela ou não. Então para encerrar minha estada na Catedral, em meio a pessoas perplexas que passam para rezar, agora são 11 e 23 e o meio-dia me chama, queria deixar um abraço afetuoso para o Marcelo Martins, meu grande amigo e colega de Resistência & Perseverança nesta floresta que é a literatura (e, por que não, a vida) e que leu e resenhou grande parte do meu novo rebento. E claro, beijos para minha querida Alice, que sempre me diz para continuar escrevendo, sinal de que tudo vem a seu tempo. Na pauta dos próximos dias, conforme o tempo e minha boa vontade permitirem, estou pensando em ir até a sala de estudos/aquário do curso em que estava estudando e eu mesmo canetear as folhas impressas e ver o que fica e o que sai para uma próxima versão. Também temos outro celeiro para o qual ainda não tinha mandado meu rebento anterior, que pedia uma sinopse que eu não tinha, mas agora tenho, e a luta continua. Por fim, depois de gravar o Requiem de Brahms para a presidente da Distant Thunders Corporation, acho que vou lavar aquelas xícaras estilosas que ela trouxe de Buenos Aires e estrear com um café celestial, talvez acender um incenso, quem sabe fazer uma oração. Com certeza agradecer. Foi um longo caminho até a frase final, mas: conseguimos.

4 comentários:

  1. Meus parabéns - honestos, devotos e emocionados.
    Nem sei o que dizer. Sei que é um momento importante - e importante para mim também. E pense bem, mais um livro, outra vez foste capaz. Rumo aos próximos desafios. Para o alto e avante! Stand by me!
    Aquele abraço

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  2. Grande Marcelo!

    Obrigado pelas tuas palavras, fonte de contínua inspiração. Sabemos que não ouvimos coisas assim todos os dias. Sim, é possível. Lerei em breve o último capítulo, depois voltamos a trocar figurinhas. Rumo aos próximos desafios.

    Abraços e always: keep the faith.

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  3. Grande Brother! Meus Parabéns! Mais uma etapa concluída! Que venham muitas, pois sei que vc é um cara de sucesso!!!

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  4. Valeu, meu camarada. Estava com saudades de te ver por aqui. Pois é, que venham as próximas, assim teremos muito café com rock and roll nos anos que virão.

    Ah, conhecia aquela música do Kip Winger?

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