segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Piano Para Pequena Clara – Dia 128


15 de setembro de 2014

22:43

Não é tão tarde para começar a escrever, mas começo logo antes de mudar de ideia. Meu destino é mudar de ideia, é desistir. Mas se desistir de desistir for uma boa ideia na noite de hoje, então vou escrever. Pensando de novo no piano. Pensando na vida que deve nascer destas frases que escrevo sem programar e só tomo para mim a liberdade de escrever porque sei que ninguém vai ler.

Apesar de que hoje Sabatha sentou ao meu lado no corredor. Reparei como sua pele parece mesmo leite desnatado. Disse a ela que ela tinha a voz bonita. Na verdade, não reparei hoje em sua voz – acho que ficou em minha mente, maldito reino do inconsciente – e no instante seguinte, quando ela sorriu, um tanto envergonhada e talvez agradecida, e disse que costumava ser oradora, sei lá de onde, me arrependi porque suspeitei, temerosa que ela fosse dizer o que de fato disse:

Talvez um dia eu faça uma leitura pública da história que você está escrevendo.

Não sei se sorri, ou se sorri e gelei, ou apenas gelei. Mas não consegui perguntar como ela sabia que eu estava escrevendo uma história. Não pode ser paranoia minha. Alguém me lê escondido, talvez mais de um me leia enquanto durmo, ou quando estou fora do quarto, talvez comendo, ou passeando pelos campos, quem sabe no raro momento em que vou até o riacho.

O piano.

Todos ouvem o piano enquanto escrevo.

Onde vamos chegar com esses personagens entrando e saindo, Dafne, agora Sabatha, sei lá mais quem. Emília, Brownie. Jade. Gente que nem lembro. E aquele homem que odeio. Que demorei a batizar, doutor dos infernos. Maria, ó doce Maria. Mãe de Clara. Linda da mamãe.

De onde estou tirando isso, pelo amor de Deus?

Talvez esses personagens não sejam para se chegar a algum lugar. Talvez seja para sair de algum lugar, sair daqui. Talvez tudo isso seja um delírio desta mente febril. Mas temo em admitir: algumas coisas que escrevo aqui fazem sentido. Talvez não para você, ou talvez só para você, que quem sabe me entendeu antes de eu mesma me entender. Existe um mistério no meio dessas linhas, que Sarah não pode me contar. Talvez eu também não queira saber. Por isso me enrolo para contar, para escrever. Divago, tateio a narrativa. O inconsciente tem suas próprias leis, a narrativa também. O texto me ensina como escrever.

Talvez eu já tenha escrito antes de chegar a este lugar.

Talvez Maria contasse histórias para Clara. Talvez elas brincassem de escrever.

Um trauma dificulta a capacidade de simbolização.

O abismo se aproxima.

Difícil escrever, simbolizar, fazer algo produtivo com a dor que não conseguiu ser e agora quer estar. De onde vêm as palavras que escrevo aqui? Não importa. Elas vêm. E devem seguir.

Minhas costas doem. Falei com Cris hoje. Mais personagens. Acho que ela está se recuperando aos poucos, deixando nascer esse fiozinho de esperança que resisto em encontrar em mim.

Esse fio que há de crescer.

Enquanto eu me mantiver escrevendo, e aquele piano se mantiver tocando. Suas teclas, pensei agora, são a esperança que procuro. Enquanto elas viverem e espalharem sua melodia até o infinito, nós estaremos bem. Eu, Maria e a pequena Clara.

23:03

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