quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Piano Para Pequena Clara – Dia 131


2 de setembro de 2014

00:20

Outra madrugada começa. O piano que me rasga e me faz sentir viva – feito um corte no pulso. Um sonho que não foi, que jamais será. Que me dá vontade de chorar cada vez que penso nele, e nem sei do que estou falando. Não consigo tocar, não consigo cheirar. Feito criança abandonada.

Dafne me disse que às vezes a tempestade pode ter momentos de garoa. Uma chuva fina que talvez até faça a gente esquecer que está chovendo.

Acho que noite após noite é esse sonho que persigo. Escrevo para encontrar o sonho. Esse que guarda tudo o que aconteceu, disfarçado pelas roupas que o inconsciente montou para me proteger. Ó, Sarah, por que faz isso comigo?

Sigo perseguindo ainda não sei o quê. Talvez seja o fim disto tudo: o abismo que me aguarda e mantém o segredo da pequena Clara. E de Maria, a mãe. Que vivia sendo internada em hospitais. Maria que tinha depressão, suponho. Talvez tivesse um monte de coisa. Como não ter? Espancada pelo marido alcoólatra, que comia a cunhadinha e, meu deus, a filha debaixo de seu nariz. Não sei se ela sabia, não sei. Neste momento, não julgo Maria. Talvez ela não soubesse. Talvez soubesse e isso a estava matando por dentro.

Sarah começou a me ensinar como fazer genogramas. Ela montou um quadradinho meio riscado de preto para um homem alcoólatra, uma bolinha pela metade riscada para uma mãe depressiva. Flechinhas em direção à bolinha debaixo, filha do casal, querendo dizer que o pai abusava da filha. Risco torto para relação conflituosa: risco torto para a bolinha (Maria) e para o quadradinho e a bolinha abaixo (Jonas e Clara, que era a caçula). Um risco pontilhado para relação extraconjugal até a outra bolinha (Lara) e um risquinho para baixo, para o filho não assumido (Marcos). E fez um triângulo em torno de quem morava junto.

Fiquei na dúvida: esse triângulo englobaria Lara e Marcos, além dos oficiais Maria, Jonas e Clara?

Não sei. Talvez tenham morado juntos por um tempo. Talvez, como já devo ter escrito em algum lugar perdido neste texto, Lara tenha vindo para cuidar de Clara e Jonas, já que a irmã Maria estava internada no hospital. Talvez Marcos, cujo pai ninguém sabia quem era, tenha vindo para brincar com a prima Clara.

Que na verdade, ninguém sabia, era sua irmã.

Talvez ele soubesse ou intuísse, porque ele defendeu ela de Claudius.

E então que hoje me senti triste, abandonada. Rodeada de gente e sozinha, que é como me sinto de tempos em tempos quando estou com as pessoas daqui. A pior solidão é a solidão em grupo. Dói. Dói tanto que me faltam palavras.

E tudo no que consigo pensar, minha eterna luz de fim de túnel, para usar uma figurinha meio banal da literatura, e nem sei se é uma luz de fim de túnel, ou apenas uma estrela no céu: Maria tocando para Clara.

O piano é uma estrela no céu. Me arrepio uma vez mais. E tenho vontade de chorar. Mas acho que hoje tudo o que vou fazer é, de novo, rezar para algo que nem sei se existe. E sonhar com esse ponto no céu da madrugada. Que, de alguma maneira, me cuida lá de cima.

00:41

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