quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Piano Para Pequena Clara – Dia 150



Quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

22:43

Ontem choveu.

E não escrevi.

Hoje o dia amanheceu lindo. Cinza e frio como em um sonho de família feliz. Ainda não tive tempo de me arrepiar para escrever isso ou qualquer outra coisa, mas quero que a chuva e o frio voltem. Então, escrevo. Existe uma mágica que ainda não entendo e que parece reavivar esse fogo cada vez que me tranco aqui e escrevo. A Mágica de Maria. O piano volta em meus sonhos.

Lindamente triste, ou tristemente lindo, diria Dafne, a garota que parece que vai se quebrar ao meio, que pinta para preencher suas fendas. Que pinta para se sentir viva. Para dar um sentido à dor, que é dela. Que é minha. Que é de todas nós.

Garotas com fendas.

Acho que o mundo um dia será delas.

Lady Ballet apareceu por aqui. Estava arrasada. Me disse que tinha recaído, que tinha vomitado de novo, que estava se sentindo gorda. Mas você é magra, eu disse, e soube na hora que ela não poderia me entender. Talvez me entendesse, mas não ia acreditar em mim. Então ela me perguntou, porque como presente de aniversário eu deixei ela ler um pouco do que escrevo, e porque sei que dói nela como dói em mim, se Claudius, quando recaiu depois de dez anos em sobriedade se sentiu como ela agora.

Nunca pensei nisso.

Em minha cabeça de péssima escritora – e agora sim me arrepio – Claudius só queria se divertir com a cunhadinha, porque é o que ele já vinha fazendo e naqueles grupos que talvez ele já tenha levado a pequena Clara, antes do pesadelo começar, diziam: a recaída começa bem antes de se tomar o primeiro gole.

Acho que a lógica deles é algo como “você já está fazendo merda, então uma merda a mais ou a menos, talvez não faça diferença”.

Muita merda, acho que é o que eles quiseram dizer.

Para Clara fez diferença.

Doutor Abusador Que Espero Estar Queimando No Inferno.

E sei que para Maria, a mãe, fez diferença. Não sei se ele já batia nela antes de voltar a beber. Não sei se ela sempre se internava em hospitais antes disso.

Talvez ela já tenha tentado se matar.

Me arrepio uma vez mais.

Não sei se ela já tinha tentado antes ou depois que Claudius voltou a beber.

Clara tentou se matar.

Pausa para respirar. Meu deus, que história horrível. Mas não consigo parar de escrever. O piano me ronda e enquanto ele estiver tocando dentro da minha cabeça, e talvez toque para sempre até eu descobrir como termina esta história, perdida na cidade-fantasma do inconsciente, devo continuar escrevendo.

Não sei por que comecei com essa história de querer morrer.

Notei que Lady Ballet tinha pequenos cortes nos pulsos. Roupas largas, talvez para que os outros não vejam como ela está magra. E cortes nos pulsos.

Iguais aos meus.

Talvez Maria, a mãe, tenha se cortado.

E Clara, aquela princesa linda, também. A pequena Clara que se cortava. Que talvez também tivesse essa coisa de colocar comida pra fora, de deixar entrar, mas ter que sair, e sei que Sarah tem explicações para isso, algo relativo ao afeto, que não pode entrar e se entrar deve sair. E sinto quenturas na garganta e no estômago, que já não sei se são de Clara.

Ou minhas.

O piano ruma para o fim.

Dafne disse que estou chegando perto daquele abismo. Mas talvez eu decida parar. E decida não pular, afinal de contas. Talvez o fim que imagino seja outro. O fim para o qual rumo, e que ainda não está escrito e se não está escrito pode ser mudado.

E se é isso que se chama esperança, obrigado Daf.

Talvez haja uma maneira de desviar do penhasco.

Sim, talvez haja.

A chuva há de vir.

E vou estar esperando por ela.

23:05

3 comentários:

  1. Às vezes, pular do penhasco pode significar algo bom, pode ser o pulo necessário para ir além. Pergunte a Sara sobre o salto, ela me falou sobre isso. Tenho dado alguns saltos na minha análise com ela, salto muito dolorosos mas, dos quais acordo com outra compreensão maior de mim mesma. Talvez o que você precise, Maria, seja de um salto. Apenas segure bem a mãe de alguém para cair com segurança. Eu estarei lá, amiga, mas acho que minha mãe não é forte o suficiente para te ajudar. Procure a mão de Sara.
    Com meu apoio, Sabby

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    1. Você escreveu duas vezes a palavra "mãe" quando, suponho, quis dizer "mão"? Sarah deve ter explicações para isso. Acho que ela chama isso de atos-falhos. De qualquer forma, você me diz para pular, Dafne me diz que vou encontrar uma maneira de desviar do abismo. Fico confusa, mas vamos ver o que acontece.

      Ah, desculpe a demora em responder. Você sabe. Maria Avoada...

      Obrigada pelo apoio, Mary

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    2. Bem observado, Mary! Falarei com Sara sobre isso.
      Faz, Mary, o que tu queres, pois tá tudo na lei!

      Abraço!

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