quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Piano Para Pequena Clara – Dia 155





Quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

17:14

Daqui a pouco tudo termina. Ou nada termina, é apenas a virada da meia-noite e um ano novo, que pretendemos novo, virá. A coisa em meu peito ainda continua. Imagino que essas malucas daqui de dentro, e imagino que as malucas do lado de fora também, não queiram ouvir Maria Chorando no dia em que o mundo está repleto de esperanças, que explodem pelo ar e faíscam pelo céu negro. Por isso escrevo. Escrevendo ninguém pode me calar, mas talvez eu cale as vozes dissonantes do meu espírito, que doem se não venho aqui colocar tudo em palavras. Colocar em palavras é como tirar um armário das costas, mas um armário que sempre volta, e por isso preciso continuar colocando estas palavras neste muro de frases que ninguém vai ler.

Que bom que ninguém vai ler, assim posso escrever o que quiser. Acho que Sarah, a psicanalista doida que me colocou nesta viagem, já sabe disso e sabe também que talvez, depois de muitas e muitas palavras, sempre sangradas aqui, alguma luz vai aparecer. Às vezes acredito nisso, mas agora apenas escrevo – até os dedos quebrarem, dizia Tchekhov. Sim, às vezes leio sobre escritores, talvez para ter algo a dizer aqui. E talvez porque assim cheguemos, meio sem-querer, ao mistério da pequena Clara.

Que na verdade é o mistério de Maria, A Louca Que Escreve Para Se Manter Viva. Que Escreve Para Lembrar.

Cris está jogada em um canto. Suponho que ela está com um humor parecido com o meu hoje. Espero que ela não vá se matar hoje, nem ninguém mais aqui, e se alguém estiver pensando nisso, neste exato momento, que deixe para outro dia.

Podemos mudar de ideia.

Vi a sombra de Lara hoje. Às vezes algumas imagens aparecem nesta mente sem memória assim, do nada, tipo do outro mundo. Fantasmas do inconsciente, pensei agora. Mas ela estava bonita, arrumada para... talvez uma festa de réveillon. Talvez uma festa na casa de Maria, a mãe. Sua irmã. Talvez levasse o filho sem pai – ou que todos achavam que não tinha pai, sem que Maria soubesse que o pai estava logo ali, casado com ela, comendo a maninha e sua filha Clara.

Meu deus, que história horrível.

Juro que nunca, sem nenhuma exceção, penso no que vou escrever, e assim, sei lá de onde, essas palavras surgem em minha mente e tenho que colocar tudo aqui. O filho sem pai, cujo pai Claudius não o assumiu porque era casado com Maria e médico intocável, como todos os médicos, se chamava Marcos. Lara deve ter levado o pequeno Marcos para a festa de réveillon na casa de Maria. Por isso, Lara estava arrumada hoje. Não sei se Claudius já tinha voltado a beber. E se ele recaiu no réveillon com Lara, e aquela cena que sempre imagino, de ele bebendo em Lara, foi em um réveillon?

Nunca tinha pensado nisso.

Talvez o inferno de Clara tenha começado em uma noite de réveillon. Maria deve ter ido dormir antes, porque estava com depressão. Ou talvez tivesse sido internada naquela mesma noite. Não foi uma festa muito agradável, como talvez muitas não fossem. Maria, a mãe, internada em um hospital na noite de réveillon.

Clara sem mãe.

Jonas sem mãe.

E Marcos?

Se foi isso o que aconteceu, e deve ser, porque estou escrevendo apenas o que minha mente dita, Marcos também passou a noite sem mãe. Porque Lara estava se divertindo com Claudius.

Paro para respirar. Suspiro. A coisa vai indo embora, bem aos poucos. Acho que o armário está um pouco mais leve.

Cris sem mãe.

Eu sem mãe.

Todas nós, no dia de hoje.

O armário volta às minhas costas. É apenas a virada da meia-noite. O abismo estará lá, ainda esperando eu pular ou encontrar alguma forma de desviar. Mas se todas aqui somos, de alguma forma, loucas, talvez eu aceite minha loucura por hoje. Só hoje. E embarque nesta de ter esperanças faiscantes que voam e brilham pelo céu. Sim, só hoje. Maria Esperançosa. Maria Que Acredita Em Novos Começos.

E quem sabe alterarmos o fim desta história, ou um novo começo depois do fim de tudo.

Feliz Ano Novo, garotas.

17:39

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