segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

Piano Para Pequena Clara – Dia 156




5 de janeiro de 2015

01:38

Um ano começou faz pouco. Uma nova madrugada também. Vazios de fim de noite. Vazios foram feitos para a gente preencher com palavras. A gente, não. Eu, a Maluca do Quarto Trancado, que hoje está com a porta aberta porque o corredor está vazio, igual a mim. Estou me sentindo sozinha. Não sei se sozinha no corredor, ou no mundo. Garotas com fendas e vazios de fim de noite. Talvez um dia escreva uma história com um nome desses.

Acho que Dafne está namorando com um desses malucos daqui. Anda meio alegrinha para uma garota com fendas, e isso é bom. Jade não vi mais. Essas doidas se engraçam com esses poucos garotos que existem aqui e esquecem do resto. Que resto, me pergunto. Qual o resto que há para lembrar?

Não sei. Por isso escrevo.

Lady Ballet parece que teve um dia bom hoje. Ela disse que ajudei ela. Imagine, não consigo ajudar a mim mesma, mas talvez apenas tenha a escutado e de alguma forma isso a tenha ajudado. Ela me falou de alguns traumas de infância.

De novo, o abismo se aproxima.

Traumas de infância.

Suspiro. Quero parar de escrever esta merda neste exato momento. Mas não consigo. Suspiro de novo.

Ela perguntou como é a família da história que estou escrevendo, fisicamente.

Como você sabe que estou escrevendo a história de uma família?

Ela não respondeu. Apenas disse o que acha: o pai deve ser assim, a mãe deve ser assado. Pensei nos cabelos morenos e lisos de Claudius. Maria, a mãe, em minha mente é uma mãe jovem, mas talvez envelhecida. Magra, talvez de cabelos ondulados. Não sei, apenas escrevo o que me vem na cabeça neste instante. Talvez eu já tenha descrito eles em algum lugar perdido deste texto. Maria é a irmã mais velha de Lara. Lara, a gostosinha, bonitinha, putinha, que deu para o cunhado em vez de cuidar da sobrinha. Será que foi assim mesmo?

Claudius voltou a beber depois de dez anos quando estava se engraçando com Lara. Talvez Lara estivesse nua, derramado o champanhe sobre o corpo e tenha dito:

Quer fazer um brinde, doutor?

Não sei se foi assim. Talvez eles estivessem flertando antes, talvez tenham ido para um quarto longe de Clara, Jonas e Marcos. Talvez ela tenha tirado a camisa, talvez estivesse de vestido. Talvez tenha tirado o vestido, derramado o champanhe e Claudius não deve ter visto mais nada: apenas o próximo gole.

E ali começou o inferno da pequena Clara. Que ainda não sabia, seria também amante do papai.

Meu deus, Lara, por que foi ser tão puta?

Claudius, maldito, por que não respeitou sua esposa que estava no hospital?

Maria, a mãe, internada na noite de réveillon.

Que história horrível. Escrevo como quem mastiga caquinhos. Jonas, Marcos e Clara brincavam na sala. Ou talvez tivessem ido dormir. Claudius e Lara brincavam no quarto, malditos sejam.

E Maria, a mais bela mãe do mundo, estava sozinha no hospital. O Sr. Doutor não foi capaz de esperar ela sair de lá. Ou talvez tenha voltado para casa, colocado as crianças para dormir, comido a cunhada e voltado para buscar Maria.

Talvez Maria desconfiasse, não sei. Que família de merda. Mas em algum lugar perdido nesta história, há um amor de família, que tento encontrar cada vez que meu inconsciente acende uma luz – nem sei se é inconsciente, mas Sarah acredita que é.

Existe amor nesta família.

Ou existia.

E vou encontrar.

Não sei exatamente como são as pessoas que descrevo, querida Ballet. Não sei descrever. Sei um pouco o que elas sentiam, porque acho que todas, de alguma forma, vêm de mim. Mas é um amor. Um amor que houve, e que talvez seja o que me faça escrever, e que me faça continuar lutando. Esse amor talvez seja o que me mantenha viva.

Um amor grande como as pernas de Lady Ballet, não posso deixar de registrar, ela que mesmo sendo magra ainda se vê como gorda. Acho que um dia ela vai rir do jeito como falavam das pernas dela, assim como aos poucos vamos, bem aos poucos, nós, garotas com fendas, aprendendo a rir das nossas desgraças. Eu ainda não aprendi. Lady Ballet estava rindo hoje e nunca tinha visto ela rir. Então talvez seja possível. Ela ainda tem corpo de bailarina, embora eu não entenda nada disso. Imagino uma cena impossível (mas por que não?). Lady Ballet dançando com Lady Brownie. Para mim, seria como ver dois anjos dançando.

Mas não era isso o que eu queria dizer. Apenas queria dizer que o amor que houve naquela família foi grande. Mesmo com Claudius, mesmo com Lara, mesmo com tudo o que aconteceu.

Grande como um amor de mãe pela filha.

E é neste momento que paro de escrever.

E começo a chorar.

02:21

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