quarta-feira, 15 de abril de 2015

Piano Para Pequena Clara – Dia 167



Quarta-feira, 15 de abril de 2015

22:46

Cheshire, que está de aniversário amanhã, a garota que é toda ela sorriso, o sorriso da loucura, o sorriso que às vezes me faz acreditar que não há nada de tão errado em estarmos todas aqui, me levou ontem para ver os corredores. Os corredores longos e suas paredes deste lugar, as janelas, as cores. Nunca tinha reparado muito neles, talvez por já ter me acostumado.

A gente se acostuma com a loucura até que ela se torne normal e louco se torna o que está de fora disso tudo.

Já tinha me programado para escrever esta história que nunca dá em nada quando Cheshire me levou para ver os corredores. Pode ter sido coincidência.

Enquanto escrevo, chove.

Chove, escrevo. A história que talvez termine em um dia de chuva. Talvez uma noite, não sei. Talvez ela recomece em um dia de chuva. Escrevo, tateio a narrativa, tento encontrar uma luz na dor que me fez esquecer. Dor tão doída que tive de apagar, e aqui estamos nós.

Teoria do trauma. Sarah e suas paranoias.

O caso é que mostrei os corredores para Lady Ballet também. Ela me disse que nunca tinha reparado neles, que imaginava esses corredores pintados de rosa, e pensei na hora que ela já deve ter sido rosa. Talvez seja até hoje, ou tente ser. Quando não coloca as coisas para fora, Lady Ballet é rosa.

Cheshire é azul.

Acácia e Blossom, não sei.

Estou cansada. Corro tanto e acabo morrendo no mesmo penhasco: Maria, a mãe e sua pequena Clara. A criança mais linda do mundo, filha da mãe mais linda do mundo. Maria.

Maria, como eu.

Suspiro.

Tem muita coisa acontecendo, dentro e fora de mim, e não consigo falar disso, puta merda. Mas Sarah disse para eu continuar escrevendo. Nem preciso – e não vou – mostrar para ninguém. Assim posso escrever o que quiser.

Ninguém vai ler esta merda.

Cheshire deve estar em algum arroubo de loucura enquanto escrevo, talvez comemorando seu aniversário no meio de gente igualmente doida. Lady Brownie também está de aniver por estes dias. Vou apenas escrevendo, sem pensar, tudo aquilo que me vem à mente, em tempo real. Escrever é pensar em voz alta, ou pensar em voz alta com palavras que me fazem parar o tempo. E talvez voltar e encontrar um sentido para a dor que me fez esquecer. A mesma que me faz continuar escrevendo.

A dor que cura.

A dor que me afasta daquele médico filho da puta, Sr. Todo-poderoso, Estuprador De Filha, Claudius. Quanto mais tento não pensar nele, esse personagem maldito que meu inconsciente fabricou se solta das florestas escuras de minha mente e vem para assombrar. A mim, a Maria, a mãe, a pequena Clara. Talvez Jonas e Marcos, de quem pouco falo.

- Por que nesta história não tem personagens homens, me perguntou Cris.

Fiquei pensando numa resposta.

Sarah certamente tem uma teoria psicanalítica sobre isso.

Tudo é papai e mamãe, não é mesmo?

Mas há Claudius. Claudius é homem, e foi homem quando deveria ter sido pai, maldito seja.

E então há Marcos e Jonas. Houve um ou outro homem espalhado nesta narrativa, da qual pouco recordo. Marcos e Jonas, lembro: irmãos de Clara.

Por que nunca falo sobre eles?

Jonas, filho de Maria e Claudius, é irmão de Clara.

Marcos, filho de Lara – titia vagabunda que fez o papai voltar a beber depois de dez anos em uma festa de réveillon – e de Claudius, que deveria ter cuidado de Maria no hospital e não estar em casa se divertindo com a cunhadinha. Mas Marcos talvez, pensei agora, tenha defendido sua meia-irmã Clara de Claudius. E talvez já tenha escrito isso aqui, não lembro.

De Jonas, sei pouco. Maria Péssima Escritora.

Mas Marcos defendeu Clara.

Ele enfrentou Claudius.

Talvez ele tenha mudado esta história, no fim das contas.

E esta história horrível, que sempre penso terminar em um dia de chuva e em morte de um, ou de todos, talvez possa ter encontrado uma pontinha de esperança, pouco antes do abismo.

Um pouco de esperança, pequena Clara.

E para mim, hoje basta.

23:11

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