sábado, 2 de agosto de 2014

Piano Para Pequena Clara – Dia 118


2 de agosto de 2014

22:53

Sinto sua falta. Não sei mais o que você diz ou pensa, então tenho que continuar tateando. Uma vez você disse que não sabe para onde esta história está indo, e que eu só fico fazendo suposições, pode ser isso ou pode ser aquilo. Ou até aquele outro. Mas é assim que esta história nasce (e morre) a cada noite. Assim como eu, suponho.

Jantei com Cris hoje. Ela me disse que Emília ia embora. Rumores. Me contou assim, como quem não quer contar. E ir para onde? Parece que o pai dela (veja, tem pessoas aqui que tem família ou algum tipo de família) era médico. E alcoólatra. Cris me disse que um médico não é alcoólatra para a sociedade. Ele é apenas médico.

Claro que pensei em Claudius e o que ele fazia com Clara.

Mas também pensei em perguntar se era com ela que Cris estava namorando.

 E quem disse que eu estou namorando? perguntou ela.

Resolvi não insistir. Talvez ela não estivesse namorando com Emília. Talvez estivesse, e fingiu não se importar, que é o que fazemos quando dói demais.

Porra, é isso o que fazemos quando dói demais.

Logo, Claudius não podia brincar de médico com Clara. Não podia passar a mão nela quando tomavam banho (era cuidado de pai, claro). Se Clara tivesse dito a alguém, sobre o pipi do papai, sobre ele fazer coisas que ela não queria que fizesse, mesmo que fossem muitos anos mais tarde, diriam: são falsas memórias. Ela acha que aconteceu, ou fizeram ela acreditar que aconteceu. Mas não aconteceu.

Não aconteceu porque ele era médico.

Então tudo bem que tivesse comido a filha.

Comido e recomido a cunhada Lara.

Tudo bem que ele desse uns tapinhas e uns soquinhos e sei lá mais o que na esposa Maria. 

Decerto pensaram que ela merecia. Se apanhou é porque merecia. Ou talvez não merecesse, diriam algumas dondocas. Mas ele era médico e é essa a questão. Abafaram tudo. Abafaram Clara. Que pode ter morrido e eles, se isso aconteceu mesmo, devem ter lamentado profundamente. Mas abafaram. Ele era médico. Dr. Não Sou Peixe Pequeno. Dr. Não Sou Pouca Bosta.

Meu nome é Claudius.

Posso quase ouvir essa frase sendo dita por ele em algum grupo.

Por que ele voltou a beber depois de dez anos?

Talvez ele estivesse se divertindo com Lara. A cunhadinha. Gostosinha. Putinha. Talvez ela tenha ficado pelada, como já ficava quando estavam só os dois, e tenha derramado um champanhe bem caro que escorreu entre os seios e desceu pela barriga, encharcando o lugar por onde ele deveria andar, digo, não deveria andar, mas andava, e nem assim se satisfez, porque também quis o da filhinha, maldito seja.

− Lambe, ela deve ter dito.

E ele lambeu. Várias vezes. Reacendeu o monstro. Ele lambeu, gostou do gosto.

E não foi só o gosto de Lara.

Existe um nome para um tipo de recaída dessas no grupo.

Estou cansada. Mas acho que estamos chegando a algum lugar. Pode parecer idiota, mas neste momento tenho medo de que venha acontecer alguma coisa comigo por causa das coisas que escrevo. Quem sabe ser processada (vai que a família da qual esqueci tenha tido, ou tenha até hoje, muito dinheiro?). Mas também me ocorre a ideia de ser morta por causa das palavras que escrevo aqui. Tipo queima de arquivo.

De novo me vem à mente a ideia de um incêndio.

Está um pouco mais calor hoje.

E é por isso, pela queima de arquivo, que ninguém jamais vai ler o que escrevo aqui.

Talvez eu já tenha morrido uma vez.

E não quero morrer de novo.

Sim, estamos chegando a algum lugar. Estou prestes a descobrir o grande mistério da pequena Clara.

23:15

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