domingo, 10 de agosto de 2014

Piano Para Pequena Clara – Dia 120


10 de agosto de 2014

00:00

Eu tive outro sonho hoje.

Sarah vai dar pulos com este.

Estava em uma praça, sobre um banco, junto com Cris e Emilia. Cris deu um beijo nela, e não lembro se eu pedi ou ela se ofereceu, mas Emilia me deu um beijo. Um selinho. Cris levantou e saiu caminhando. Ficamos só Emilia e eu. Então pedi. E a gente se beijou. Senti como algo acordando dentro de mim. Como se fosse a primeira vez.

Acho que seria algo como tomar o primeiro gole de cerveja que se toma na vida.

Gostei no começo, pelo gosto de diferente. Mas conforme o beijo foi avançando – beijo de língua – eu pensei: o que estou fazendo aqui? Então paramos. Ela perguntou se eu queria conversar sobre aquilo. Eu disse que sim. E que aquela não era a minha praia. Ela disse que fez de propósito, para resolver essa questão. Que questão? pensei. Não gosto de mulher.

Mas, até onde eu lembre, também não gosto de homem.

Se gostasse, ou algum dia vier a gostar – bom, não sei o que pode acontecer.

Continuo não querendo falar de sexo.

E então acordei, e fiquei pensando no significado do sonho. Emilia foi embora, mas acho que está bem. Talvez ela apareça. Acho que era sim a namorada de Cris, e é claro que não comentei esse sonho com ela. Cris continua triste. Se sentindo feia. Uma vez ela me disse que me achava bonita. É estranho se achar bonita e sei lá se isso é importante. Bonita, feia, que diferença faz em um fim de mundo como este, uma bolha como esta na qual vivemos, afastados de seja lá o que for que aconteça além destes muros, deste campo, destas paredes?

Amanhã é Dia dos Pais.

Talvez tenha começado a escrever por causa do sonho, mas inconscientemente – meu deus, Sarah e suas loucuras – eu não tenha querido pensar sobre isso, mesmo sabendo que inevitavelmente minha escrita hoje ia desaguar no Dia dos Pais. Sarah disse que o inconsciente tem suas formas, às vezes estranhas, às vezes irônicas, de organizar nossa vida em vigília. Não pensei no simbolismo de beijar Emilia, ou mesmo – quem sabe em um próximo sonho? – beijar Cris. Acho que o sonho não era sobre isso – ou talvez fosse.

Estou me enrolando para não falar do Dia dos Pais.

Não consigo criar um Dia dos Pais para Clara e Jonas. E Marcos, se é que ele passava junto. Talvez sim; de alguma forma, já que Claudius não quis assumir ele, porque o Doutor teria que confessar que brincava de médico com a maninha da mamãe, talvez quisesse compensar. Por algum motivo que não consigo dar nome, neste momento me ocorre que Claudius pode ter sido um bom pai. Vejo em minha mente de criadora que não sabe criar, de péssima escritora, ele caminhando pelo corredor levando a pequena Clara sobre os ombros. E neste dia em especial, ele foi cuidadoso com ela. Ele foi pai.

Não homem.

Não amante.

Não assassino.

Apenas pai.

Que é como eu gostaria que ele tivesse sido durante toda esta história. E um bom marido. Mas não foi dessa forma que as palavras, que escrevo aqui sempre de improviso, apareceram para mim. Claro que você diria o que já deve ter dito e eu esqueci: a história é sua, monte do jeito que quiser.

A história é minha mesmo?

Eu possuo a história ou ela me possui?

A cada palavra que escrevo, me comprometo mais. Você sabe o segredo da pequena Clara. De sua mãe, Maria. Sarah sabe, tenho certeza. A cada noite que escrevo tento me afastar daquele penhasco, mas a cada palavra que meu cérebro – aquilo que restou dele – cospe aqui neste texto, chego mais e mais perto do cânion.

Um cartão para Claudius. Um presente de Maria. A mãe que já foi linda. Talvez ele tenha enfeado ela. E Lara ficou com a cereja do bolo. Mas quero sonhar com isto hoje: Claudius pode ter sido um bom pai. Um pai que se perdeu por aí. E que eu queria fazer bom, pelo menos por hoje. Um dia, um capítulo. Só hoje. Podia jogar fora toda essa história, como já me comprometi a fazer, mas ainda não tive coragem ou boa vontade para tanto. Lara poderia ser uma parente do interior, que quase nunca aparecia para visitar. Poderiam ser uma família feliz: Maria, uma esposa feliz. Clara e Jonas, crianças que cresceram felizes, brincando, sorrindo. Vivendo. Um maravilhoso comercial de margarina. É com isso, e só com isso, que quero sonhar hoje.

Feliz Dia dos Pais, Claudius.

00:29

Nenhum comentário:

Postar um comentário