terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Piano Para Pequena Clara – Dia 159



20 de janeiro de 2015

21:14

Faltam exatos dois meses para o outono. Pode ter sido coincidência, mas Sabby e Cheshire perguntaram se eu não ia escrever mais. E então começou a chover. Acho que vou, disse eu. Vamos esperar, disseram elas. Faz dias que não escrevo, e duvido que alguém sentiria falta se eu nunca mais escrevesse. Mas a verdade é que ainda não sei como termina esta história. Tem uma garota aqui, de cabelos lisos e vermelhos, com os braços cheio de tatuagens que parecem contar uma história (teria ela sido tatuada por livre associação?), que disse que acha que quando escrevo estou falando de mim. Sei lá quem disse que toda autobiografia é ficcional, e toda ficção é autobiográfica. Não sei o nome dela, mas acho que vou chamar essa garota de Savanah. Tem um parentesco com Sabatha, acho que porque vi elas duas juntas hoje. Se não for esse o nome dela, invento outro.

Acho que ela também é uma garota com fendas. Parece que ela tinha um namorado antes de vir pra cá – bem, todas temos uma história. Embora eu não lembre a minha, sei que tenho uma. E vou escrevendo assim, sem ter a menor ideia de por que essas palavras se juntam umas nas outras, nessa ordem. Mas tivemos nossas histórias. Acho que essa garota também andou lendo uns livros daquele velho tarado. Garotas com fendas. Não sei se escrevo sobre mim. Apenas escrevo e vou vendo onde isso vai dar.

Maria que paga pra ver.

E então que começou a chover. Ouvi o vento batendo nas janelas, feito fantasmas em casa mal-assombrada. Talvez isso onde estamos seja, enfim, isso mesmo. Vejo o chafariz lá embaixo. Não ouço o piano. O corredor está deserto e a porta está aberta. Vou apenas escrevendo o que me vem à mente.

Sabby falou em morte.

Garotas com fendas têm aquilo que Sarah chama de pulsão de morte. Talvez todas tenhamos, todas nós do mundo inteiro: pulsão de vida e pulsão de morte (sim, Sarah está me contaminando com suas loucuras). Mas acho que existem tipos e tipos de garotas com fendas. A dor de Sabby é diferente da dor de Dafne, que me parece mais contida, mais dor-pra-dentro. Talvez Sabby busque a morte de outras maneiras.

Como Cris, que felizmente não tentou mais se matar. Me preocupo com ela. E neste momento, confesso, tenho saudades dela. Não temos nos visto muito. Às vezes parece que essas malucas vêm e vão. Acho que elas saem por alguns instantes, talvez até dias, e voltam. Elas sempre voltam, como eu sempre volto.

Para a pequena Clara.

Para Maria, a mãe.

Mesmo que eu nunca mais escrevesse, acredito agora que essas duas continuariam vivas dentro de mim. Não sei se fora de mim também, e descobrir este mistério, e como afinal termina a história de Clara me faz voltar. Quero voltar. Por isso escrevo. E continuarei escrevendo esta droga de história, que nem história é.

Ou é e ainda não percebi?

E se houver mesmo mais autobiografia do que quero supor na ficção que estou tentando escrever?

Talvez se conseguir mudar a história, essa de mentirinha, mude a mim mesma, essa vida que também estou inventando. Inventando a mim mesma. Maria, a Criadora.

Talvez dê certo.

Sim, pode dar certo.

21:34

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