domingo, 11 de maio de 2014

Piano Para Pequena Clara – Dia 97


Domingo, 11 de maio de 2014

21:00

Hoje foi dia das mães.

Tentei não pensar muito nisso.

Teve mais gente comendo junto na hora do almoço, eu invisível como sempre fui. Cris estava por perto, não me senti tão sozinha.

Até me perguntei se ela não é alguma parente minha, alguém introduzida nesta história, alguém que, como eu, tenta recuperar a própria história – e acho que estamos ambas perdidas aqui. Não sei por que ela se afeiçoou a mim, a Estranha Que Não Fala Com Ninguém E Escreve. A estranha que escreve. Podia até ser o nome de algum conto.

Mas quando chegou a noite, e jantei com Cris, desta vez só nós duas, pensei em Clara. E em Maria, sua mãe. Como será que eram as comemorações naquela casa, se é que havia alguma? Como seria o Natal de Clara? Claudius, pensei na hora, deve ter comido a Mamãe Noel Lara de presente, debaixo do pinheiro de Natal. Será que Maria sabia disso?

Talvez Maria soubesse de Lara, soubesse de tudo. Soubesse de Clara também.

Talvez por isso, de alguma forma, ela pensava em morrer, e morria um pouco mais a cada dia. Morte aos pedaços, em conta-gotas. Não me programei para escrever nada disso, como desde a primeira frase desta maldita história.

Você diz que esta história é meio pesadinha.

Esperava o quê?

Nesta fábrica de chocolates há giletes nas veias.

E quando escrevo isso olho de novo para as cicatrizes em meus braços.

Para as queimaduras.

Já cogitei que existe um incêndio na história de Clara.

Mas ainda não sei onde ele se encaixa. Desconfio, mas não tenho certeza. Ou talvez tenha, mas quero não ter. Quero mudar o fim desta história. Sou a autora, eu faço o que quiser com ela, eu mando nessa merda. Mas não posso mandar em meus pensamentos. Se eles me conduzirem, e conduzirem esta escrita, a um final diferente daquele que temo, sairei livre. Talvez, e sei que você deve ter imaginado a mesma coisa, eu me enrole tanto para escrever porque quero mudar o final, que talvez seja o começo.

Mudar o que não pode ser mudado.

Deve haver alguma forma. Talvez se eu ler mais, tiver uma ideia melhor sobre a estrutura, o enredo, a voz narrativa. Mas Sarah ia me dizer para não fazer assim: não pense, apenas escreva.

Escreva que todos morrem no fim.

Maria, será que teve um dia das mães? Um presente de Clara? Clara deve ter ido para a creche e lá deve ter feito um presente. Um desenho. Um desenho horrível, mas lindo. Talvez tivesse Claudius nesse desenho. Talvez tivesse ele fazendo coisas com ela, ameaçando fazer coisas ainda mais horríveis (o que poderia ser mais horrível?) caso ela contasse.

Mas em minha mente, e vou sonhar com isso hoje à noite, era um escrito:

Te amo, mamãe.

E é então que volto a chorar.

21:22

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