sexta-feira, 4 de julho de 2014

Piano Para Pequena Clara – Dia 110


4 de julho de 2014

23:15

Estou cansada. Falei com Cris, que também estava cansada. Eu estava uma zumbi, decidimos dormir antes. Ela no quarto dela, eu no meu. Fui, mas levantei para escrever. Essa maldita história que nem dormir sossegada me deixa. Ou talvez seja apenas o ato de escrever, esse sim, que me chama e eu, mesmo quando não quero – leia-se: quase sempre –, acabo atendendo.

O caso é que também vi Brownie hoje e ela disse que vai fazer novos doces em breve, vai me avisar, Jade, Cris e mais uma ou outra. Novos doces.

 Com gosto de infância? perguntei.

Sei lá de onde me ocorreu perguntar isso, ou por que perguntei, mas ela apenas sorriu e disse que sim. Com gosto de infância.

Então Lady Brownie olhou para o vazio, para o distante, para o fundo.

Perguntei se ela estava pensando no passado.

Não sei que tipo de merda eu tinha na cabeça ou, de novo, por que perguntei aquilo. Mas ela disse:

 Se eu não pensasse tanto em passado, talvez eu não estivesse caminhando tão devagarzinho hoje. Talvez eu pudesse voltar a caminhar. Eu só queria esquecer.

Lady Brownie Que Quer Esquecer.

E eu que quero lembrar.

Quer dizer, quero, mas – como provavelmente diria Sarah – não quero. Tenho certeza que ela sabe qual o mistério da história de Clara, se é que há realmente um mistério. Esses psicanalistas e suas charadas. O caso é que também li em um desses artigos espalhados por aqui, como pistas para eu decifrar, que se a gente dormir menos de seis horas por noite, vai ficar com a memória prejudicada. Não sei se fui dormir por isso, eu que não lembro sequer de todo meu nome, como vim parar nesse lugar ou qualquer coisa a mais do que... nada.

Mas dormi e voltei, como quem volta de um sonho. Que hoje não foi ruim, mas também não posso dizer que lembro de meus sonhos. Acho que estavam algumas dessas pessoas daqui lá – que merda, isso tudo aqui parece um sonho, e às vezes é o que imagino estar acontecendo. Mas então: como ele acaba?

Pensei de novo em Lara. Pensei que ela pode ter se tornado feia. Mas mesmo feia, e duvido que ela tenha se tornado feia, mas é uma hipótese, o Sr. Doutor Abusador ainda se dedicava a ela mais do que a Maria, a mãe. Talvez, sei lá por que me ocorre escrever isto agora, ele tenha dado um tempo em ficar traçando a filhinha.

Mas aí o estrago já tinha sido feito na pequena Clara.

O piano me volta como algo distante. Não como um sonho, mas como algo além do sonho.

Imagine, existe algo além do sonho.

De alguma forma, quando penso que não há mais esperança – e você sabe que penso isso não tão raramente –, essa mágica que ainda não sei explicar e que acontece depois que começo a escrever me mostra, e também não sei de onde ela vem: esperança.

Há algo além do sonho.

E nós vamos encontrar esse algo, doce Clara.

23:33

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