quinta-feira, 24 de julho de 2014

Piano Para Pequena Clara – Dia 115


23 de julho de 2014

23:17

Você me diz para eu ficar na atividade, que tenho que continuar escrevendo. Que já está na hora de chegarmos a algumas conclusões, algumas afirmativas em vez de apenas hipóteses para a história de Clara. Mas a verdade é que não sei. Ou ainda não estou pronta para saber, não quero saber.

Vou ter que ficar neste quarto mais algum tempo.

Me preparo, noite após noite, para um show único. Que ninguém vai ver. Mesmo assim, tenho que estar aqui.

Acho que Cris está namorando uma dessas gurias daqui. Quem será? Brownie? Emília? Jade, que no fim das contas achei que estivesse com um desses caras daqui, e talvez esteja escondendo o jogo? Não sei. Uma vez, nas raras coisas que ela fala, Emília disse que também sentia atração por mulher. Quem sabe?

Lá fora, chove. De novo. Como talvez seja o começo e o fim da história de Clara. Muitas das noites em que vim aqui escrever estava chovendo, e isso não pode ser por acaso.

Talvez um incêndio tenha matado a todos, e os pingos caíam em seus corpos carbonizados.

Talvez sobre Maria, a mãe.

Talvez sobre Clara.

Ó Deus, permita que este não tenha sido o destino final dessas pessoas que tento ligar nesta história sem pé nem cabeça, nesta história horrível que tento contar e que faço de tudo para não ter que escrever mais. Só que preciso chegar ao fim disso. Essas frases, que vou improvisando assim, feito um solo de piano, me doem uma a uma, mas também, de alguma forma, cicatrizam – meus braços e suas marcas, que não sei como foram parar ali. Como eu mesma não sei como vim parar aqui.

Um solo de piano.

Talvez ainda exista esperança.

Ontem li dois relatos de garotas que foram abusadas. Uma pelo ex-namorado, a outra pelo chefe. As duas foram violentadas, espancadas, humilhadas, talvez cuspidas, talvez tivessem dito a elas: não grite, na conte a ninguém. Ninguém vai acreditar em você.

O mesmo que disseram para Clara.

As duas disseram que ficaram com nojo de homem, com nojo de sexo, com nojo da vida.

Sei lá porque, mas acho que já pensei algo semelhante.

Sarah, maldita, está conseguindo me levar para a beira deste penhasco. Sei que me aproximo dele, mas não consigo parar. Há uma estranha força que parece me conduzir quando escrevo, quase como se alguém ditasse tudo que devo colocar aqui.

Maria Marionete.

Não sei onde vai parar isso tudo. Era apenas para eu inventar uma história. Foi assim que tudo começou. Mas agora não consigo terminar. Nem parar.

Rumo ao abismo. Esperando por aquele piano, para salvar nós duas. Talvez nós três.

Eu.

Maria, a mãe.

E Lady Clara.

Não vou desistir de vocês. Espero que Claudius morra no fim disto tudo e que queime, muito lentamente, sentindo cada segundo, no inferno, se existir algum. Lara, não sei. Ela deveria ter cuidado da sobrinha Clara. Deveria ter cuidado do filho Marcos. Mas estava ocupada demais sendo a princesa dos olhos de ouro para o doutor. A putinha dos olhos de ouro.

Mas o piano talvez toque para aquela garotinha linda, e mesmo que sua melodia fosse triste, doída, sangrada, mesmo assim: talvez ela ainda traga um pouco de paz.

23:43

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