quarta-feira, 16 de julho de 2014

Piano Para Pequena Clara – Dia 112

16 de julho de 2014

00:14

Dei uma volta no campo, sozinha, ainda agora. Faz frio. Não vi Cris hoje. Faz tempo que não vejo Brownie. Vi apenas Emília. Seus cabelos estavam mais vermelhos e por algum motivo me pareceram como se fosse vômito. Ou sangue.

Você tem razão em uma coisa: nada acontece nesta história.

Ou eu mesma talvez esteja enrolando, a você e a mim.

Talvez. Suspiro. Escrevo.

Hoje pensei que havia um bar com o nome de Decrépito’s, administrado por um homem-índio chamado Potí. Não me pergunte de onde tirei esses nomes. Mas penso que Claudius, Dr. Jekyll, levava a pequena Clara lá. Maria, a mãe, ficava esperando ele voltar para casa. Talvez ele dissesse que ia ali comprar pão, ou talvez fosse mesmo tomar um aperitivo. Clara, penso agora, deve ter crescido lá. Não sei se a infância toda, as memórias – digo, as coisas que invento – são todas meio desconexas. Não sei muito de relações com tempo. Li em um artigo que pessoas com depressão não conseguem ter memórias de eventos específicos. Que seja. Clara no boteco. Vendo o papai beber.

Lara ia lá?

Não sei.

Já me ocorreu que Lara estivesse com Claudius quando ele voltou a beber.

Ainda não sei se ele fazia o que fazia com Clara antes de voltar a beber.

Queria apenas escrever esta merda de história até o fim.

Se sei para onde estamos indo? Se sei como termina esta história? Sei, mas não quero saber. Sei, mas finjo que não sei. Um incêndio, todos morrem. Ainda há esperança de tudo não ter terminado como tenho medo de admitir que terminou. Não me exija o que não posso dar neste momento.

Só estou escrevendo hoje porque sei que você não vai ler. Que ninguém vai ler. Hoje pensei em reler algumas coisas, essas bobagens que escrevi e que jurei que nem eu, muito menos outra pessoa, leria. Mas pensei em ler. Não sei, pensei. Penso, desisto.

Sim, me lamento.

Foda-se, é como a vida se apresenta neste quarto fechado.

Há ainda Jonas e Marcos. Há elementos na história de Clara que não consigo criar. Ou não quero ver, mas como ver se não consigo criar?

Lara, a maninha. Vadia. Que era para ter cuidado de Clara enquanto Maria, a mãe, estava internada no hospital. Estou me repetindo? Eu queria que esta história fosse para frente, para algum lugar. Houve a chuva. Houve o armazém. Houve Claudius no escuro com Clara.

Ontem Sarah me falou de um documentário sobre abuso infantil. Era um documentário espanhol chamado “Los Monstruos de Mi Casa”. Não aguentei ver. Não só porque não entendo espanhol. Mas comecei a passar mal. Havia desenhos. Como os que Clara fez e Claudius jogou fora. Não sei se ninguém viu antes que ele jogasse fora. Deixe ver... Acho que tinha uma criancinha sentada no colo do papai. Ninguém deve ter visto maldade nisso. Inclusive não repararam o sorriso de demônio que ele tinha ao manter sua filha no colo.

Demônio excitado.

Um sorriso gigante, com os dentes e talvez a língua para fora.

Como o Lobo Mau.

E talvez houvesse um balãozinho escrito: “Ninguém vai acreditar em você”.

Será que Clara contou? Será que Maria sabia?

Mães sempre sabem.

Mas fingem que não sabem.

Como eu.

00:34

2 comentários:

  1. Maria Estudiosa.
    Para quem não quer escrever essa história, até que você pesquisa bastante.
    Qual a importância de estudar um artigo sobre a depressão, Maria, se a história é do ponto de vista de Clara? Será que ela tinha depressão? Ou será que você está deprimida? Por que está misturando isso com sua história? É até como se estivesse fazendo da história de Clara um diário próprio...

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    1. Vou te responder ali em cima. A porta está fechada. Vou escrever.

      Até daqui a pouco,

      Mary.

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