terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Piano Para Pequena Clara – Dia 158




13 de janeiro de 2015

00:06

Dafne, que não gosta muito dos livros de Sarah, porque acha que é tudo viagem, disse hoje que eu tenho um TEPT.

Um o quê?

  Transtorno de Estresse Pós-Traumático.

Ouvi em silêncio, tentando decodificar.

Senti como a filha que ouve na escola, pela primeira vez: aqueles não são seus pais verdadeiros, você é adotada. Ela continuou:

E algo aconteceu na chuva, porque você só escreve quando chove.

Pensei naquilo por um instante.

E depois sorri.

Em paz.

Sabby outro dia me perguntou por que só escrevo quando chove. Ela também acha que alguma coisa aconteceu na chuva.

Fecho meus olhos.

Não está chovendo.

Está calor e odeio o calor. Poderia dizer que é a lembrança daquilo que se queimou. Talvez tenha se queimado sob a chuva. A chuva e um incêndio. Claro que tudo isso pode ser simbólico, a chuva, o fogo. A dor não é, não pode ser. Mas Dafne me disse que eu estava com ares de quem vai se despedir. Para não voltar.

Não vou morrer hoje, Daf.

Ela disse que tínhamos um trato e se aquilo servir para me deixar viva mais um dia, então cumprimos nossas missões por hoje.

Talvez a chuva que não consigo ver nem sentir, neste começo de madrugada, neste calor kafkiano, seja para emoldurar a pequena Clara dançando, como índios dançam a dança da chuva. Marcos e Jonas, penso agora, estavam juntos. Ela escorregava pelas gramas encharcadas e seu corpo de princesa, que naquele momento não carregava dor alguma, ia seguindo em frente, abrindo caminhos, construindo um futuro. Que talvez ainda venha a existir.

Quase não falo de Marcos e Jonas. Jonas Michel, acho que era o nome dele. Como posso inventar coisas, nomes, pessoas, lugares, e depois esquecer? Acho que se é para eles voltarem para a consciência, eles voltarão. Nossa, pareço Sarah falando. E Marcos? Acho que ele defendeu a prima (e irmã, embora ninguém soubesse) Clara de Claudius, em uma de suas bebedeiras. Já pensei, porque vou sempre tateando esta história, sempre escrevendo sem saber que palavra virá a seguir, que Marcos tenha fugido ou ido morar com outro parente, pelo menos por um tempo.

Claudius tentou fazer Clara beber e Marcos bebeu no lugar dela, para defender a prima. Queria escrever algo mais pra cima hoje, mas talvez até o fim deste texto mal escrito talvez eu encontre uma luz. Bem, Clara brincando na chuva é um tipo de luz. Maria, a mãe, pensei agora, observava a filha feliz.

Feliz.

Houve recortes de felicidade e amor nesta família. E acho que vou tentando juntar os retalhos para montar um lençol, lindo, feito com carinho de mãe. Sim, Maria costurava casaquinhos de lã para Clara e Jonas. Talvez até para o sobrinho Marcos.  Talvez o frio esconda algum tipo de paz e por isso tenho tantas saudades dele. O outono de Clara, o inverno de Jonas e Marcos. Talvez algo horrível tenha acontecido no verão, e talvez por isso esses escritos com temperatura. Queria um vento soprando esperança por aqui, e parece que quanto mais escrevo, o vento venta: a esperança está chegando. Apenas escrevo, assim, como quem não quer nada, apenas colocando as palavras uma ao lado da outra, como quem constrói um muro. Não o muro das lamentações, mas uma parede montada com esses retalhos de vida e de amor.

Que podem ter se perdido.

Mas sei que vou encontrar.

E vamos construir esse muro, Daf e Sabby.

E então, finalmente, aprenderemos a voar.

00:32

2 comentários:

  1. "Passei um tempo longe, mas é como se o tempo não tivesse 'corrido'. Volto a esta página e o mundo de Clara e de Maria apenas seguindo... Boa a sensação de saber que não estive tão perdido enquanto andava por outros parágrafos deste mesmo livro: a vida de um escrito(r) ah!" Bom que segues, Maria, e que estás próxima do... final? E eu te sigo, te sigo... Teu mais querido Leitor".

    ResponderExcluir