quarta-feira, 21 de maio de 2014

Piano Para Pequena Clara – Dia 100


21 de maio de 2014

00:16

Tem uma garota aqui que está de aniversário hoje. Seu nome é Jade. Nunca soube se ela é loira natural ou pintada, e não que isso faça diferença. Ela usa um crucifixo no pescoço e sorri. Sorri mais do que eu, embora ache que ela esconda uma dor silenciosa. Talvez façam alguma comemoração, quem sabe bolo de chocolate. Ela estava faceira hoje. Jade Faceira. Alguém, afinal, tem motivos para sorrir aqui.

Então o piano volta a minha mente.

Tão nítido que é como se estivessem tocando aqui ao lado.

Mas agora ouço o som ao fundo. Como uma memória que vem abanar. E logo dá adeus. Ele há de voltar. Penso que talvez Maria, a mãe, tocasse piano em algum aniversário de Clara e quase posso sentir o cheiro de álcool de uma voz embargada.

Pausa.

Sarah veio aqui, quem diria. A essa hora. Sinto que algo está para acontecer. Uma tempestade se anuncia no horizonte, além do mar. Mas ela só queria saber como eu estava. Eu disse que estava escrevendo. Mas agradeci.

Mais de meia-noite e alguém bate na porta para perguntar como estou.

Acho que ela queria saber se vou no aniversário de Jade. Não sei. Acho que ela é uma garota legal e talvez, se eu não ficar com raiva porque sua família talvez apareça, ou qualquer pessoa apareça, nem que sejam as outras criaturas que habitam este lugar, o que provavelmente não vai acontecer, não quanto a elas aparecerem, mas a eu não ficar com raiva pelo fato delas terem aparecido, eu que sequer lembro quando faço aniversário, então talvez eu apareça.

Mas não comecei a escrever por isso, embora se Jade lesse o que escrevo aqui, o que nunca vai acontecer, mas se acontecesse, poderia ser um presente para ela, mas sim comecei a escrever por causa do piano. Triste, lindo, divino. Imortal, transpassando toda a dor que houver neste mundo.

Maria tocando o piano. O piano que deve seguir.

Enquanto ele seguir, estaremos seguras, pequena Clara.

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2 comentários:

  1. Parabéns, Jade. Eu sou leitor da Maria, a Maria que escreve sem saber onde vai chegar. Aliás, a melhor maneira de escrever é essa: escrever sem fim, o começo basta, escrever sem um fim, escrever como um meio, escrever para não ser lido, escrever para descobrir o caminho que leva a um destino incomum, e que só sabemos que é aquele quando chegamos lá. Estranho isso e você que lê a mim e aos escritos da Maria deve estar se perguntando onde queremos chegar. Não queremos. É isso: eu não quero. Não sei você. Mas é o seguinte: se você nos deixa, seguimos do mesmo jeito, com ou sem consigo você e sigo leitor, personagem, louco... uma voz nas entrelinhas, uma ponto acima de uma vírgula, um mero tom. Até, mais tarde, Maria. Fui!

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    1. Acabei de repassar teu recado para a Jade.

      Enquanto isso... aguarde novidades...:)

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