quinta-feira, 17 de julho de 2014

Piano Para Pequena Clara – Dia 113


16 de julho de 2014

23:33

Você me pergunta se ando estudando, se leio esses artigos para pesquisar. Se isso que conto daqui é um diário e fico me enrolando em vez de contar as coisas de lá, da história de Clara, que é o que deveria interessar, não a minha história. Mas acredito que, de uma forma que ainda não posso entender – ou não quero entender, vá lá –, o que conto aqui e o que conto lá está interligado. Sarah disse que era só para escrever, qualquer bobagem, qualquer pensamento. Que nem Freud disse que era para fazer. Nada é trivial.

Esses psicanalistas do inferno.

Mas começo a pensar que eles têm razão.

E volto a pensar que esses textos, vídeos, reportagens e o diabo, tudo faz parte de uma conspiração para que eu conte a história de Clara. Acredite, e só escrevo isso porque sei que ninguém vai ler: a vida está me deixando pistas, pegadas para eu seguir. Preciso escrever para saber como termina a história de Clara, e como começa a minha. Acho que por isso falo um pouco daqui. Observei Emília hoje. Ela é um personagem, definitivamente. Seus cabelos estavam cor de ouro. Ela é toda tímida, fala algumas coisas sem sentido (embora eu entenda tudo o que ela quer dizer) e fica vermelha. Quase roxa, sobre sua pele muito branca. Não passeei no campo. Nem senti o cheiro do doce de Lady Brownie. Nem vi o namorado-maluco de Jade. Nem ouvi a voz de Cris.

O que me restou foi vir para cá de novo e escrever. Mesmo sem ter o que escrever. Apenas continuar escrevendo, até que alguma coisa aconteça. Alguma reviravolta. Algo que faça você, que quem sabe me lê, ter medo de dormir de noite. Mas não sei se consigo fazer isso. Eu não sei escrever.

Neste momento volto a pensar que um dia eu soube contar histórias.

Ainda há coisas nesta história que não posso revelar.

Não desista tão cedo. Se você veio até aqui, pode ir um pouco mais.

Jonas e Marcos, os garotinhos. Um irmão de Clara, o outro, não assumido, também. Três filhos do Dr. Claudius. Dois de Maria, um de Lara.

Vejo em minha mente de pretensa criadora uma foto em preto-e-branco. Lá está Maria, a mãe. E Lara, que era menor. Maria era bonita. Posso ver a juventude e seus cabelos lisos e negros.

Lisos e negros como os meus, não posso deixar de registrar.

Talvez Maria tenha pintado os cabelos, como eu mesma acho que pintei. Eles são negros agora. Não lembro como eram. Não lembro de nada. Mas gostei de criar esta foto: Maria era uma mulher bonita. Talvez linda. E Claudius, penso agora, se apaixonou por ela. Eles começaram a namorar, depois noivaram. Casaram. Não consigo imaginar, mas... Bem, Maria devia estar linda em seu vestido branco e amparada pelos santos de uma igreja grande, talvez a Catedral Metropolitana. Claudius já era médico, casou em grande estilo. Eles seriam uma família feliz.

E então viajaram em lua de mel. E Maria engravidou.

Agora fiquei na dúvida: quem veio antes, Clara ou Jonas?

Maria tocava piano. Talvez tocasse para Claudius. Talvez tivesse tocado em seu casamento.

A cada palavra que escrevo, tenho medo de descobrir aquilo que não estou preparada para ver. Ainda não.

Uma coisa que você já deve ter notado: eu chego na beira do penhasco, e volto. Não tenho coragem de pular, mas a cada vez que volto, chego mais perto. Começo a alimentar a ideia de fazer o que disse que não ia fazer: reler esses escritos. Talvez essa historinha ficasse melhor escrita, eu mesmo teria mais ideias.

Mas sei que não posso postergar para sempre: um dia vou ter que me jogar daquele penhasco e esta história terá fim.

23:56

4 comentários:

  1. A história está melhorando, parabéns!

    bjos

    Alice

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Thanx. Saudades de te ver por aqui.

      Bjos, bjos!

      Excluir
    2. Gilles Deleuze (1193) " Escrever é uma questão de devir, sempre inacabado, sempre a fazer-se, que extravasa toda a matéria vivível ou vivida." Por isso continue a nadar... Continue a escrever.. Beijos. Angélica

      Excluir
    3. Sim, vou continuar nadando e escrevendo. Daqui a pouco tem capítulo novo. A propósito, a partir da citação do Deleuze, descobri este artigo, bem interessante:

      http://www.revistas2.uepg.br/index.php/uniletras/article/viewFile/3988/3162

      Excluir