domingo, 10 de novembro de 2013

Nanowrimo - Dia 10


Continua chovendo.

Meu corpo está encharcado.

Mas então coloco as mãos sobre ele, e vejo que está seco.

Estou olhando para algo que já passou.

Algo que já passou na noite chuvosa.

Estou escrevendo um folhetim, percebi ontem. Lembra? A história sempre termina em um ponto que obriga você a ler o resto no outro dia. Talvez exista um truque para isso, uma técnica eficaz de colocar um gancho que ligue uma parte a outra, como um quebra-cabeças que vamos montando aos poucos meio que por tentativas. Se der certo, a gente continua. Senão... tenta mudar o passado.

Não entendo de escrever, não sei técnica nenhuma. Apenas escrevo, porque foi só o que restou depois do que aconteceu. E o que aconteceu, e por que nunca contei isso a ninguém? Bem, antes tarde do que nunca. Mas não estou fazendo suspense: escrevo como os pingos desta chuva que cai porque vou me lembrando por pingos, na chuva que cai em minha memória.

Existe algo que aconteceu de noite (tenho medo da noite, lembra?) e essa história de chuva parece que anda recorrente. E onde estão o homem moreno, a mulher magra, a irmã? Onde estão eles hoje? Preciso batizá-los. A pequena Clara está na chuva. Tomando banho, fugindo? De quê? Sua mãe disse para ela entrar e ela não entrou. Quem é a mãe? A mulher que está no hospital, ou sua irmã, a da mulher, e portanto sua tia? Clara desliza de peito sobre as águas das poças na grama, que parece ser um pequeno pântano, com esse dilúvio que cai. Tem certeza que era noite? Agora fiquei na dúvida. Algo aconteceu na noite, mas talvez o dia da chuva e das poças de água sejam dias diferentes.

Tenho fome, mas se parar para comer, o que acontecerá inevitavelmente daqui a pouco, posso esquecer do que ia escrever, e se eu parar de escrever tudo acaba. O relógio continua, tic-tac enquanto a chuva faz psss e mais tchum, onomatopeias de criança. Algo aconteceu com esta criança. A criança é Clara? O que aconteceu com ela? As memórias vão voltando aos poucos. Por isso escrevo.

Continuo com fome. A chuva diminui. Haverá um fim para isso? Sim, mas preciso continuar escrevendo para chegar do outro lado do túnel. Já senti raiva, tristeza, medo e agora fome desde que comecei a escrever tudo isso e, não sei por que, talvez aí esteja a chave que estou procurando. Continuar escrevendo ou parar por hoje?

Se eu tivesse certeza que você voltaria amanhã, pararia de escrever. Mas se parar, podemos nos perder.

Você me conhece melhor do que eu a você, e no futuro talvez fique com raiva por você não ter me dito isso. Mas no futuro, em um futuro talvez distante, talvez em outra terra, a gente se perdoe. Acredite, não tenho a menor noção do que vou escrever, antes de de fato escrever. Por isso escrevo. Preciso chegar do outro lado do túnel, e hoje intuo que você vai estar lá, assim como intuo que vai estar aqui amanhã. Sim, vou estar esperando por você. Não me deixe esperando. Não me deixe esperando, como daqui a pouco vou lembrar, e talvez esqueça de novo, que você já me deixou esperando. E foi então que tudo aconteceu. Tudo foi pelos ares, porque você não estava lá. Mas ainda não sei disso, ou sei e vou me esquecer daqui a pouco. E amanhã, quando você aparecer, vou estar escrevendo tentando resgatar esta história que, mesmo que ainda não saiba, é minha.

2 comentários:

  1. Querido narrador, aqui fala um leitor, mas não sei se é por mim que espera. Espero que não (risos), imagino que não. Por isso volto e quebro minha palavra de ficar calado. Minha sina é te seguir. Sim, agora exagerei, mas se é um folhetim, exageros têm tudo a ver, não? Um abraço!

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    1. Não sei se exageros têm tudo a ver com folhetim, estimado leitor, mas percebi que é uma história seriada, e portanto, sim, eu esperava você hoje, mesmo que às vezes você não seja você, mas algum você tem que haver, não é mesmo? Sei que mais tarde tem texto novo e, como sempre, não tenho a menor ideia do que vou escrever. É o terceiro dia seguido que chove aqui. Talvez eu parta daí.

      Até mais tarde...:)

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