segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Nanowrimo - Dia 11



É engraçado. Escrevo para me lembrar, mas não me lembro. Ou lembro e logo esqueço. Se eu escrevesse tudo sem parar, talvez a luz – que espero que venha – viria, mas não posso escrever até o fim. Não quero o fim, não quero me lembrar de como termina esta história. Neste momento me pergunto de novo: será que estou inventando tudo, ou apenas relatando o que já aconteceu? E, sobretudo, aquilo que não deveria ter acontecido. Ou deveria? Não sei, neste momento esqueço o fim, ou não quero olhar para ele.

Querido irmão.

Você é o irmão que ainda não sei que tinha, e não tinha antes de eu saber. Antes de você me contar, e fazer lembrar de coisas que morreram há muito tempo. Coisas que morreram em mim, ou que nem permitiram que nascessem. Você veio me falar sobre o homem alto e moreno. Como é o nome dele? Pensei em chamá-lo Claudio, mas isso é por demais óbvio. Claudius, meio romano, latino, aquela gente, sabe. O que você acha? Claudius. Seria um imperador? Teria ele colocado fogo em tudo como Nero? Veja, de novo estou falando sobre o fogo. Houve sim um incêndio. Mas é o terceiro dia seguido que chove. Por que chove? Por que chove tanto? Para me lembrar da pequena Clara chorando? O céu chora junto com Clara, vou lembrando aos poucos. Mas ela chora baixinho. Ninguém podia saber. Claudius disse para ela não contar. E ela não contou.

Ela não contou.

O quê, você pergunta.

Eu não sei se você sabe, e a essa altura é doído demais lembrar. Por isso esqueço. A cada noite, esqueço.

Por que as duas mulheres aparecem e somem? Você é parente de alguma delas? Sim, o filho não assumido que voltou depois de anos para dizer que eu tinha um irmão. Queria que você tivesse chegado antes. Muito antes. Por que demorou tanto, por quê? Poderia ter impedido o que aconteceu. Não sei se o culpo por isso – sim, culpo a você e ao mundo, e odeio você e o mundo.

Mas então esqueço. Dói demais lembrar. Na psicanálise, ela (Sarah, é o nome da analista) disse que me esqueço de coisas para me proteger. Detesto quando ela diz isso. Detesto pensar que estou fugindo de alguma coisa, ou de muitas coisas, ou das coisas todas. Me protegendo? Eu, que sempre tive coragem? Sempre, até que começou a chover. A chuva me faz lembrar o que eu queria esquecer, e talvez por isso esqueça. Esqueço de Claudius, esqueço de Clara – sobretudo, esqueço de Clara – e queria esquecer de Sarah também. Cada vez que estou em frente a ela é uma tortura sem fim. Rezo para acabar, mas não acaba. Ou acaba, mas então em breve começa de novo. E ela faz perguntas, maldita. E talvez, mas apenas talvez, eu tenha que responder, e dói tanto não ter para onde fugir dentro de seu próprio eu. E é aí que a praça some. O armazém foi arrombado, mas não sei se foi hoje ou semana passada. Não sei se tem a ver com a praça. Sarah tem os cabelos pretos e usa trança. Será que ela é casada? Ela nunca me conta a sua história, diz que quer ouvir a minha história. E tudo que eu não quero é ouvir a minha história, mas afinal: estou escrevendo, então isso tem que dar em algum lugar. Algum dia teremos que sair do outro lado do túnel.

E então, talvez a gente se veja de novo, querido irmão.

Mas você ainda não me disse que tenho outro irmão, nem que é você esse irmão. Estou delirando? Vejo vultos. Já disse que tenho medo do escuro? Talvez tenha dito, e esqueci. Perdoe a repetição, o enfado literário. É a primeira vez que escrevo, já disse, não sei escrever. Apenas escrevo, e jamais – jamais – tenho sequer ideia do que vou escrever antes de sentar aqui. Tudo isso que você lê, ou ouve, ou vê, são apenas meus pensamentos em tempo real, e me pergunto se você existe mesmo ou é fruto da minha imaginação. E como saber? Até que você me mande calar a boca, vou continuar digitando. O relógio continua correndo. Haverá um fim? Quero algum fim, um outro fim, não o fim que eu suspeite já ter acontecido. Deus, será que isso que suspeito, isso que não quero olhar, e que me faz chorar no cantinho, quando tenho certeza que não tem ninguém vendo, aconteceu mesmo?

Apenas vejo um bilhete escrito aqui ao lado: “escreva hoje mais do que escreveu ontem”, e acho que estou conseguindo, embora não vá parar para contar agora. Será que estou sobre um divã e acho que estou escrevendo? Porque é mais ou menos isso que penso que faço: pensamentos desconexos assim como palavras desconexas que vão se juntando e vão dar não sei onde. Mas suspeito que você também tem participação nisso, em eu ter começado a escrever. Foi você quem sugeriu de eu escrever? Não pode ter soprado isso no ouvido de Sarah, mas é provável que ela tenha me sugerido escrever. No momento é tudo o que posso fazer. Essa história, que nem é uma história, talvez acabe sendo alguma coisa.

Mas para isso preciso que você venha aqui amanhã. Posso me esquecer, como sempre esqueço, mas uma hora vou ter que lembrar. Por isso escrevo. Quando a gente escreve, está escrito, não se pode apagar. Poder até pode, mas está lá, é real, está escrito. Realmente aconteceu, e não é apenas coisa da minha cabeça. Quisera que fosse.

Quisera que fosse.

2 comentários:

  1. Pois é, escreva hoje mais do que escreveu ontem. É assim :-) "Writing the Mind Alive - The Proprioceptive Method for Finding Your Authentic Voice, Linda Metcalf and Tobin Simon." Yes, I already known… :-)

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    1. O "escreva hoje mais do que escreveu ontem" foi um lembrete exclusivo para o dia 12, que retirei de um dos cronogramas para o mês do Nano, que está em algum lugar aí embaixo... mas pode valer para o resto do mês, claro. Depois procuro o livro que tu citou aí acima. E mais tarde... texto novo (aqui entre nós, Nano tinha que ter o ano todo, né? :)

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