quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Nanowrimo - Dia 14


21: 41

Minha cabeça dói.

De novo.

Pensei em Mariana, de quem ainda não falei, até porque não tinha lembrado dela até hoje. Ela era a outra garotinha que brincava na praça, amiga de Clara. Deixa eu ver se visualizo... Cabelos compridos e pretos, com franjinha. Ela usava macacão. Brincava com massinhas de modelar, mas isso é incomum em uma praça. Talvez ela brincasse na casa de Clara.

Hoje anotei que no meio desta história, em algum lugar desta história, houve um aborto. E alguém foi adotado, ou alguém foi trocado, algo assim. As coisas estão começando a clarear em minha mente. Bem devagar, é verdade, e elas aparecem e daqui a pouco somem, e não deixam pistas. A menos que eu continue escrevendo. Essa livre associação vai me mostrando algumas coisas. Talvez seja por isso que Sarah diga para eu continuar escrevendo, mas sei que você também quer que eu continue escrevendo, que noite após noite vem aqui para ver se fiz o tema de casa. Não posso ver seu rosto daqui e até isso é uma incógnita. Mas acho – porque agora já não tenho mais certeza – que você é meu irmão. Acho que você me disse isso em um desses últimos dias, mas como você sabe: depois do acidente, esqueço tudo rapidinho.

Então continuo escrevendo.

É tudo o que posso fazer.

Mariana era amiga de Clara. Já temos mais um personagem nessa história. Disse ontem que ia dizer meu primeiro nome, do qual não gosto, e que você já sabe mas quer ouvir da minha boca. Por enquanto, mudei de ideia. Sim, estou fugindo da história, fugindo da raia. Quero ver até quando você vai me aguentar. Suspeito que você não vai ficar aí por muito mais tempo.

O que aconteceu na praça que não consigo lembrar? Por que minha cabeça dói? O que o armazém fechado tem a ver com tudo isso? Você sabe e não vai me contar? Por quê, para eu não entrar em choque? O que pode ser tão terrível?

Sarah diz todo dia: escreva, escreva mais um pouco, escreva tudo, até o mais inconfessável, aquilo que não diria nem a si em voz baixinha para ninguém escutar, porque ninguém vai ler isso que escrevo agora. Esse é meu trunfo. Posso escrever o que quiser, ninguém vai ler.

Mariana era mesmo amiga de Clara? Elas tomavam banho juntas. Amigas ou parentes? Eram duas crianças pequenas, nuas sob o chuveiro, cada uma em um lado do boxe. Ou pelo menos acho que estavam afastadas, não lembro se elas se tocavam como as outras crianças. Até onde eu lembre, eram apenas duas crianças tomando banho juntas. Lembro de uma vez no banheiro da casa de Clara, e outra vez tomando banho de balde e de bacia na casa de Mariana. Mariana deve ser grande agora. Então o tempo passou, e isso que acho que é uma história do presente é algo que já aconteceu?

O relógio continua tiquetaqueando, mas agora não me importo mais com ele. Ou pelo menos hoje não estou me importando. O tempo vai seguir, terminando esta história ou não. Sei que temos Mariana agora. Ainda não sei quantos anos ela tinha, mas acho que regulava de idade com Clara. Elas brincam juntas, posso ver daqui, mas não sei muito mais do que isso. Elas dançam também. As duas garotinhas dançam. Clara embala a boneca ao ritmo da música imaginária. Mariana não tem boneca, mas dança também. Não posso ouvir daqui se elas também cantam, mas pela expressão em seus rostos é bem provável que sim.

É então que o homem alto de óculos escuros chega e grita alguma coisa. Mariana sai correndo. Clara começa a chorar. Isso é uma coisa importante. O que ele grita? Por que Mariana sai correndo? E, sobretudo, por que Clara começa a chorar? Não é a primeira vez que ela começa a chorar depois de um grito dele.

E infelizmente, também não foi a última.

Só que não consigo lembrar o que vem depois. Não consigo ver o que acontece na sequência. As memórias vêm, e tenho certeza que elas são reais, mas se vão em seguida, e então me pergunto se tudo isso é apenas uma história que estou inventando, assim como inventei você, que nem deve mais estar aí. Penso, escrevo. Alguém aí está me ouvindo? Me observando, como observo o homem moreno, a mulher, a irmã e Clara? A mulher deve ser mãe de Clara. Se for, deve ser casada com o homem alto e moreno de óculos escuros. Esse é o pai de Clara. E de onde veio Mariana? E como tive certeza que aquela não foi a última vez em que Clara chorou por causa de seu pai, se é que ele era mesmo o pai? O que ele fez para ela, e que talvez seja tão terrível que me fez esquecer de todo o resto?

Quando descobrir isso, talvez possa encerrar esta história. Ou mudar o fim, já que intuo que não acabou bem. Se é que é passado e não tempo presente. Suspiro.

O que o homem alto de óculos escuros fez para Clara?

Eu ia dizer o meu nome em voz alta, o nome que não gosto, mas escrever isso me deu sono de novo. Quem sabe amanhã? Se eu escrever, você virá?

Virá?

22:11

4 comentários:

  1. Se escreveres eu virei, mas não sei se teu irmão virá, ó narrador. Já paraste para pensar que quem te observa pode estar querendo roubar a tua história? Uma história que tu não sabes ainda se é tua de verdade, se foi contigo que aconteceu, se é realidade ou se tudo invenção, se alguém está lendo ou não, se… Tantas coisas… Mas segue escrevendo que está ficando bom. Cuidado apenas com os ladrões de histórias, há tantos tipos desses por aí (sorrio). Mas independente de qualquer coisa não penso em te abandonar. Teu leitor.

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    1. Obrigado. Não vou morrer só. Isso é a glória. Sim, escreverei, então te aguardo mais tarde. Hoje, mais tarde. Sempre bom pensar que tem alguém à minha espera. Quanto ao resto... vou pensar nisso. Mas não hoje. :) Até mais tarde, leitor fiel.

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  2. Pois, é, eu tive que dar uma pausa, mas não abandonei o livro. A vida não pára, tenho que trabalhar. Grande abraço!

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    1. O mais importante é continuar escrevendo. Mesmo que demore mais, talvez bem mais, do que esperamos. O tempo vai passar de um jeito ou de outro. Passemos pelo tempo também. Abraço!

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