sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Nanowrimo – Dia 15


Talvez eu venha, você disse.

Na dúvida, vou escrever.

Ou melhor, escrevo agora.

Você vai me dizer que estou de sacanagem, mas está chovendo de novo. Não sei se chove tanto, ou é apenas a imagem da chuva que volta em minha mente, dia após dia, e geralmente isso acontece à noite. Sinal de que deve ter havido algo na chuva (lembra dos passeios e deslizes nas poças d’água de Clara?), mas talvez tenha sido de noite também. É que em minha imaginação não cabe uma garotinha pequena como Clara passeando pela rua à noite, ainda mais em uma noite chuvosa. Mas talvez aí esteja a chave: ela estava onde não deveria estar, quando não deveria estar. Com quem não deveria estar? Não sei, você talvez saiba mais do que eu, e não entendo por quê, embora desconfie, não vai me contar. Por algum motivo, você não quer que eu sofra.

De vez em quando, algumas coisas me voltam enquanto escrevo neste quarto. Meu destino é continuar escrevendo. Escrever para lembrar, e cada palavra aqui nesta tela, ou neste papel, porque não sei onde você me lê, os nós vão desatando. Ainda não consegui batizar o homem alto e moreno de óculos escuros, nem a mulher ou a irmã. A mulher, até onde lembre, estava no hospital. Depressão pós-parto ou tentativa de suicídio? Você que está aí hoje, e sei que estava aqui nos últimos dias, você que tem lido o que tenho escrito, até porque é para você que escrevo, ajude-me. Estou pedindo sua ajuda. Ajude a sua irmã.

Irmã?

Sim, sou sua irmã e meu nome, quer dizer, meu primeiro nome, que odeio, é Maria. Sempre gostei de ser chamada pelo segundo nome, e era, até vir parar neste quarto, tendo que escrever esta novela sem fim, a pedido de Clara. Digo, de Sarah. Sarah, que acha que eu escrevendo vou me lembrar daquilo que me esqueço, aquilo que me fez esquecer, que é o por que de eu estar aqui. Tenho recortes de invencionices, e não quero pensar que as ideias que estou tendo para uma simples historinha foram baseadas na realidade. Dizem que tudo que um autor escreve é autobiográfico em maior ou menor grau (em menor grau, se ele conseguir disfarçar bem, e em maior grau, se sua ficção for apenas uma autobiografia frustrada). Mas não sou autor. Nem autora. Esses tempos perguntei, assim por perguntar, se você adivinharia o sexo de alguém pelo simples modo como essa pessoa escreve, e você não me respondeu. Escrevo como homem ou como mulher? Ou como os dois em um, chamado autor, independente do gênero? Não importa. O que importa é aquela família que foi a primeira coisa que inventei quando comecei a escrever esta história, e nem tinha história, muito menos personagens.

Mas tenho vindo aqui escrever todo dia.

Faz parte da terapia.

Talvez Sarah tenha desistido de me arrancar coisas no divã. Ou tenha pensado que essa técnica de escrever é melhor. Afinal, escrevo sozinha neste quarto (ou cela?) e não tem nenhum rosto sério e inquisidor de psicólogo me encarando. Acho melhor assim. Depois que a gente fala, não tem como voltar atrás, mas sempre posso apagar o que escrevi, e não mostrar para ninguém aquilo que está no arquivo, ou na memória do computador ou seja lá em que raio de lugar este texto esteja sendo salvo. Cuidado com os ladrões de textos e de ideias na internet, que abundam cada vez mais, você me adverte. Não se preocupe. Acredite, vou dar um jeito nisso tudo. Mas, imagina, se me roubassem e publicassem como sendo de outro, ou outra, ia ficar furiosa e terrivelmente frustrada, mas no fundo, lá no fundinho, no porão do meu espírito, ia ficar orgulhosa. Tipo, se alguém roubou meu texto foi porque gostou do que escrevi. Claro, podia até transformar esses escritos catárticos e um tanto obsessivos em algo concreto depois que tudo terminar.

Mas como disse em uma dessas últimas noites, quero mudar o fim. É só mudar, diz você, mas e se eu não puder mudar? Se eu estiver escrevendo sobre algo que já aconteceu?

É apenas uma história, não é a vida.

Bom, tomara que não.

(acabo de pensar que seu nome é Jonas, porque Jonas é nome de um irmão, mas pode ser apenas coisa da minha cabeça e, sei lá por quê, ainda não é hora de você entrar nesta história, que até aqui é apenas uma historinha boba que uma terapeuta sugeriu que eu criasse como uma técnica psicanalítica para resgatar sei lá o quê. Mas em breve saberemos. Vou continuar escrevendo e, por favor, apareça amanhã. Preciso da sua ajuda para passar por isso. Se somos mesmos irmãos, não abandone sua irmã. Além desta história e deste quarto, e daquilo que não consigo lembrar, parece que não sobrou  muita coisa. De qualquer forma, hoje é o décimo quinto dia que escrevo consecutivo, então podemos considerar que estou debutando. Apenas intuo, e não sei explicar por que também, as coisas não vão mais ser as mesmas a partir de agora. O relógio continua correndo, mas como disse, não me importo mais com ele.)

4 comentários:

  1. Agora sei que falaste comigo, narradora. Respondo-te: coincidentemente Jonas é um personagem da história que venho escrevendo em paralelo contigo. Maria é teu nome e não gostas dele… Por que será? Será que sei o motivo? Intuo. Na verdade, todas as histórias não são de verdade, tudo depende do jeito de contar, não é mesmo? Tu só escreves durante a noite e eu não sei em que momento do dia venho por aqui: tarde ou manhã? Não sei. À noite não é, por certo, pois as noites são para dormir, quando nos deixam, as pessoas ou os pesadelos que teimam em repetir-se. Já te disse: tu me inspiras. E tua história, ainda que te roubem, jamais conseguirão a chave para decodifícá-la, pois a chave de todos os mistérios particulares só existe na cabeça do autor, ou da autora, original. Desejo-te então forças, Maria, para que sigas teu intento de escrever. Teu leitor.

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    1. Resposta da Maria: "Maria é meu primeiro nome, do qual nunca gostei. E nem lembrava que tinha chamado meu irmão de Jonas. Tu escreve sobre ele também? Seria o mesmo Jonas? Obrigado, vou continuar escrevendo. Continue vindo me visitar. Mas não esqueça. Todo dia escrevo, mas só escrevo se você vier. Tu também me inspiras."

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