sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Nanowrimo – Dia 22


Leia para descobrir o que você acha que consegue me ocultar, diz você. O que você percebeu que ainda não entendi, ou escondo de mim mesma?

De qualquer forma, penso que se algum dia alguém fizesse um filme disso que escrevo, e o que tenho escrito e que – você tem razão – não lembro, ele poderia começar com um piano, como o piano que ouço agora. Lindo.

E triste.

Não sei como você imagina que seja Clara ou como seja eu. Eu não importa, não quero falar de mim. Sou apenas alguém-ninguém que escreve esta história. Escreve para lembrar. De novo você tem razão. Mas como você pensa que é Clara? Vejo uma foto em minha frente, e ouço este piano e vejo este anjinho que me sorri. Poderia dizer a cor de seus cabelos, o formato de seu sorriso – mas ela sorri. E é o sorriso mais lindo do mundo. Um anjinho. Queria que essa foto tivesse se repetido para todo o sempre. Eu escreveria um livro só para tentar traduzir o que essa foto me passa, e o filme começaria com esse piano. Seu sorriso também é lindo, e fica ainda mais lindo quando olho para ele e as teclas do piano conduzem meu espírito para algum lugar bom.

Algum lugar bom, longe daqui.

Alguma pátria, de novo a linguagem de Sarah, algum lugar onde nada pode me ferir. Nem a mim, nem a ela.

E tenho vontade de chorar de novo.

Queria poder chorar escondidinha, e escondidinha já estou, apenas o piano me cerca, ele e seu espírito nas teclas que choram por mim, e colorem minha dor. Talvez coloram a dor de Clara. Sim, tenho certeza que esse piano é para dar algum sentido na dor daquela garotinha.

Lady Clara.

Clara do Sorriso Mais Lindo do Mundo.

Continuo escrevendo, e de novo as imagens aparecem e tão logo tento captá-las em palavras, elas somem.

Maria, mãe de Clara.

O que aconteceu com ela?

Ainda não sei.

Mas o homem moreno – deus, tenho que inventar um nome pra ele, qualquer nome – está tomando vinho. É sexta de noite. Por enquanto ele está calmo.

Clara tem medo. Maria também. Papai está bebendo de novo. Ele está calmo. Por enquanto. A casa continua no lugar. Clara e Maria também. Onde está o garoto, o do banho? Será que está tomando banho, aproveitando que o papai não vem? Mas ele é mesmo o pai? Não sei, uma coisa tão simples e não consigo perceber.

Maria das Incertezas.

Mas continuo escrevendo. Começo a suspeitar que não vou sair daqui enquanto não terminar essa história. Ou melhor, enquanto não entender essa história. Se você já entendeu, por que não me conta? Por que essa tortura?

Mais um pouco de sofrimento. Tudo bem. Vou continuar escrevendo, até que a dor passe, até que a confusão diminua, e isso talvez signifique que não vou sair deste quarto. Sinto um vazio que não cabe em palavras, que não cabe nem no buraco negro da galáxia. Será que Maria sentia o mesmo?

Não errei meu nome. Pensei, sem querer, mas pensei, na mãe de Clara. Pelo menos isso deduzo que seja. Maria é a mãe de Clara. Maria foi parar no hospital. Mas se ela está com Clara na casa (casa ou apartamento?), é porque Maria já voltou. Quanto tempo ela ficou lá? Talvez ela tenha tido mesmo depressão pós-parto, mas agora foi outra coisa. Clara não é mais recém-nascida. Será que Maria descobriu algo tão grave que a fez entrar em depressão a ponto de ser internada no hospital? Nesse momento, suponho, você se pergunta: ela sabia o que acontecia dentro de sua casa? Eu não sei. Sabia?

O piano continua tocando enquanto escrevo. Coloco fones de ouvido para não incomodar meus vizinhos dos quartos ao lado, e imagino o filme que fariam desta história mal escrita que estou tateando a cada noite. Pelo menos hoje, ouço um piano. E vejo a foto de Clara. Sorrindo como uma boneca com o sorriso congelado. O filme poderia começar com essa foto em um porta-retrato. O piano de trilha para a foto. Eu poderia descrever essa garotinha mais, e talvez seja o que você esperasse, talvez seja o que Sarah esperasse. Mas sei lá por quê, não consigo. Sei que ela é linda, e seu sorriso é como se guardasse a prova de algo divino que deve existir em algum lugar. Talvez você não acredite em nada disso, mas é porque você não vê a foto como eu vejo. E não sei se ela conseguiu sorrir assim de novo. A foto é permanente. A garota da foto não envelhece, não morre. E o sorriso não se desfaz.

Talvez seja por isso que escrevo.

Para saber em que momento aquele sorriso de perdeu.

3 comentários:

  1. Se sei o que me ocultas ou tentas me ocultar? Talvez. De todo modo, se te contar a tua história como eu a vejo, nunca será a mesma história que estás tentando contar; será outra, decerto. Tu podes não descrever o físico dos teus personagens, mas uma aura da alma - existe isso? - tu descreves muito bem. Segue então, Maria Melancólica, o teu intento. Estarei aqui para ler. Não resta muito mais tempo para que se desatem os nós e sorrisos se transformem em sentimentos que façam soar relógios; para que a chuva revele-se em lágrimas, para que escrevas nas não-madrugadas e para que o homem dos teus pesadelos comece a falar. Teu leitor.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Cara, que loucura. "Que o homem dos teus pesadelos comece a falar". Lembrei de algo horrível que esse homem falava, um xingamento muito cruel. Acho que podemos começar daí hoje.

      Excluir
    2. PS - Adorei a história de "aura da alma". É mais ou menos assim que os vejo.

      Excluir