domingo, 24 de novembro de 2013

Nanowrimo - Dia 24


21:34

Claro que pensei em não vir hoje.

Não vir não é bem a palavra, porque estou enclausurada aqui.

Mas pensei em não escrever, nem hoje nem nunca mais.

Para que insistir nesta história que ninguém vai ler, que nem quero que leiam e que me dói, palavra por palavra?

É a dor que cura, disse Sarah. Então resolvi escrever. Só mais um pouco, só mais um dia.

Ontem falei que tinha alguém que tocava piano naquela casa. Não tenho ouvido piano, e não sei se isso é bom ou ruim. Talvez nem tenha sido ontem que falei de piano, como você sabe ou acho que sabe, não me lembro de muita coisa antes de começar a escrever. Por isso escrevo. A história deve acontecer, e ainda tenho uma certa esperança de que possamos mudar o fim da história.

Você e eu.

As palavras me faltam, a permanência neste quarto tem me imposto limites, claro. O homem magro de cabelos lisos e negros não está lá enquanto escrevo. Por que nunca consigo dar um nome para esse homem, ainda mais que é apenas um personagem em uma história, e eu deveria ser a todo-poderosa contadora que escolhe quem vive ou quem morre nesta história?

Infelizmente não é assim.

Maria está cozinhando. Ela está cabisbaixa. Aliás, ela tem passado dias assim. Clara já viu sua mãe por longos períodos deitada na cama, sem sair de lá por nada. Clara pensa que a culpa é dela. Ela pensa que decepcionou a mãe. Maria gira o botão e sai o gás. Naqueles breves dois segundos, enquanto Maria risca o fósforo e acende o fogo, Clara a observa, atenta. E naquele momento, aprende como ligar o gás. E aprende que se riscar o fósforo, um fogo se cria.

Maria, por que foi ensinar Clara a ligar o gás?

É claro que Maria não podia imaginar o que aconteceria tempos depois, até porque – até onde se saiba – ela sequer sabia o que acontecia debaixo de seu nariz, dentro de sua própria casa.

E quando, tempos depois, Clara veio falar pra ela sobre o que o pai fazia, o pai médico que não podia arranhar sua reputação, Maria a chamou de mentirosa.

Ó, Maria, por que não acreditou em Clara quando podia? Quando ainda havia tempo?

Mas talvez não houvesse mais tempo.

O fim que corro escrevendo para tentar mudar, o final dessa história, a cada noite que busco palavras para registrar o que já passou, ou o que está passando, parece cada vez mais inevitável. Não existe uma forma de mudarmos o rumo das coisas? Talvez eu não esteja simplesmente contando uma história que acontece apenas em minha cabeça, mas uma história que – Deus queira que não – tem suas raízes na realidade, só que está acontecendo em algum nível da realidade, e já que estou intuindo como ela vai terminar, talvez eu possa fazer alguma coisa para mudar o destino. Ou estou escrevendo sobre algo que já aconteceu, e minha débil tentativa é apenas, já que não se pode mudar o passado, dar um novo sentido para o que passou.

Mas que sentido, em nome de Deus, esse Deus que deveria estar lá e não estava, pode ter tudo aquilo?

Uma vez mais, tenho vontade de chorar. E as teclas do piano voltam em minha memória. Não posso dizer que as escuto, mas em minha memória alguém toca piano.

Eu disse memória, de novo? Eu quis dizer que estou criando, e sei lá de onde, um som que vem se aproximando, em cor e nitidez, mas que some, e sei que alguém naquela casa tocava piano.

Era Maria quem tocava.

Maria, igual meu nome.

Maria Que Tocava Piano.

Maria Que Estava Viva Quando Tocava.

Por que ela parou de tocar?

Por que não há mais música aqui?

Tenho vontade de chorar, mas estou muito cansada para isso agora.

Quem sabe amanhã?

22:00

3 comentários:

  1. Maria, tu me ignoras? Não disse que estou aqui, a ler o que escreves, Maria… Clara. Sim, sei quem és. Não percebes o que estamos fazendo? Estamos interagindo em busca de uma história que… Maria, Maria Clara, isso é novo! Acorda, mulher. Pois se não acordares, deixar-te-ei só, se vou!

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  2. Acordar dói. Assim como escrever, assim como descobrir a verdade que nos consome. Mas vamos lá. Ainda há mais por vir.

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