segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Nanowrimo - Dia 25


Maria, mãe de Clara.

Doce Clara.

Maria ou Clara?

Maria e Clara.

Onde foram parar? Eu estou aqui, e tento reencontrar as duas. O piano volta em minha mente. Maria, a mãe, tocava piano. Sempre lindo, sempre triste. Sempre, não. No começo não era. Seu piano foi ficando assim, porque ela tocava o que sentia. Tocava o que sangrava. Tocava o que faltava. Solava sua dor. E mesmo que não soubesse, era a dor da filha, que a ouvia com a porta fechada, tocando no piano da sala. No passado, em um passado distante, o homem alto de cabelos negros a escutava tocar. Será que ele não percebeu que as melodias mudaram? Ou percebeu e não se importou?

E a irmã, que participação tinha nisso?

Talvez Maria, a mãe, tocasse antes da irmã se mudar para a casa deles.

Depois acabou.

Ou melhor, jamais acabou.

Ela está viva dentro de mim enquanto escrevo.

Eu, Maria.

Mas hoje o piano não me faz chorar. Amanhã, não sei.

Hoje apenas escrevo porque você prometeu voltar, e eu acreditei.

Você é mesmo meu parente ou é apenas outro alguém-ninguém, meu interlocutor imaginário que criei para não enlouquecer?

Não, eu não posso estar louca. Não. Não posso.

Então, suspiro. Às vezes estas paredes que me rodeiam parecem querer encolher e o quarto-cela fica mais apertado. Será o calor? Será o piano, que não sei mais se existe ou foi outro fruto da minha imaginação?

Ó, Maria, Ó, Clara. Quem mais temos aí? Algum animal de estimação? E Clara não tinha amigas? Com quem ela brincava? Em minha imaginação, sempre vejo ela sozinha. Uma criança brincando sozinha. Ou ela perdeu a capacidade de brincar? Isso faz sentido.

Acabo de me lembrar da história do gás. Você deve ter lido por aí. Existem sim crianças suicidas. O que levaria alguém a querer dar fim a tudo? Talvez esse fim já tivesse chegado, como para quem se mata já gente grande. E então essa história é sobre Maria, você pergunta. Talvez seja sobre todos eles. Talvez seja sobre a família inteira, e sobre mais alguém que ainda não apareceu. Eu continuo sem ter a menor ideia do que vou escrever segundos antes de sentar aqui, e assim tem sido noite após noite. Mas alguns elementos parecem ser recorrentes nessa história. Não, não pense que sou repetitiva. Apenas pense que se essas imagens voltam sempre na mesma história existe algo aí que ainda não consegui captar.

Nem na minha vida, nem na deles.

Por isso escrevo. Dói escrever, dói a verdade, seja ela qual for. A fantasia é tão melhor, tão mais perfeita. Por que não posso viver o resto da vida dentro deste quarto apenas escrevendo? Talvez deva esquecer esta história estúpida que não vai dar em nada. Talvez eu parasse de chorar entre uma sessão de escrita e outra, ainda escondidinha e não conto qual o meu lugar preferido para chorar – mas às vezes choro olhando para a tela, choro e escrevo e você acha que não, que apenas estou escrevendo e não escrevendo e chorando. Ou você consegue me ver apenas me lendo?

Diga-me, você consegue me ver apenas me lendo?

Você consegue ver Maria, a mãe, e Clara, a filha, apenas lendo o que estou tentando escrever?

Consegue ver o homem-demônio que está arruinando esta casa? Você tem raiva dele? Diga-me, o que você sente quando lhe conto tudo isso? Ou você é indiferente?

Todos foram, por que você seria diferente?

Mas ainda penso naquela garotinha, e ouvir esse piano que sua mãe tocava, e olhar para a foto daquele anjinho sorrindo para mim, me faz suspirar mais uma vez.

3 comentários:

  1. Sim, Maria Obscura, tentemos mais uma vez. Não sou indiferente a teus personagens, eu os vejo. Assim como vejo o que de ti me deixas ver. Tua história me atrai. Como foste parar neste quarto-cela ou cela-quarto? Se não lembras, Sarah ou outra pessoa poderá saber. Pede que te contem. O que vestes? O que fazes durante o dia? Passas o dia aguardando a chegada da noite para poderes escrever? Quem te sustenta? Quem paga tua comida? Imagino que tenhas um computador conectado à Internet e nele escreves e publicas o que escreves, e se não publicas, como tenho acesso a teus escritos? Sou um fruto de tua confusa imaginação, Maria? Teu Curioso Leitor.

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    1. Curioso Leitor,

      por que me pergunta aquilo que não posso (ou não quero) responder?

      (Pelo menos ainda não.)

      De qualquer forma, fico feliz em saber que a minha historiazinha atraia alguém e, saiba, a tua existência (se real ou inventada, ainda não sei) me ajuda a existir também. Veja: escrevo, logo existo.

      Até mais tarde,

      Mary.

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  2. Engraçado que enquanto leio eu sempre esqueço que ela está escrevendo para uma pessoa específica e acho que ela está escrevendo para mim, e fico respondendo mentalmente todas as perguntas que faz, tipo, "sim, claro que eu ia voltar pra te ler", rs.
    Será que ela está num hospital para queimados?

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