terça-feira, 5 de novembro de 2013

Nanowrimo - Dia 5


A história começa a acontecer, diz você. A história, que ainda não é nada, talvez um delírio, vai acabar sendo alguma coisa. Ao fim de tudo, quando sairmos do outro lado, ela será verdade. Você me falou de lugares, um armazém, que lembro estar fechado. Mas o que vejo daqui, sem que você me veja, é uma praça. Sim, a história começa a acontecer, ou volta a acontecer, porque talvez já estejamos na metade, em uma praça. Daqui espio, como se vendo através das paredes, e você tem cabelo preto, é um homem alto e magro. A mulher está com você, e ela também é alta e magra. Ambos têm os cabelos escuros, mas o dela é mais claro que o seu. A garota está com vocês e todos brincam na praça, com a grama verde, um redondo de areia e alguns brinquedos na volta. Daqui posso ver os balanços e as gangorras. O escorregador. E a criança caminha ou corre? Ela depende de vocês, e talvez essa seja a sua mulher, mas não sei se “sua”, como um pronome possessivo. Ou talvez “sua” no sentido possessivo, sim, mas talvez não oficialmente. Ainda há a irmã, que talvez venha visitar hoje para um chá. Ou essa é a irmã? Temos aqui um triângulo amoroso e ninguém percebeu? Essa filha é sua ou dela, ou de ambos, e a sua mulher a adotou? Foi roubada de alguém, da mãe verdadeira, porque você amava uma dessas mulheres, que não podia ter filhos, e deu esse presente a ela? E a garota, que brinca com a mulher, que brinca com você, cansado do serviço, sabe da verdade? O que você contou a ela? O que vocês contaram, além da história da cegonha? Um dia, quando for tarde demais, e eu sei que vai ter sido tarde demais, ela vai saber, e se decepcionar com todas as cegonhas do mundo.

Enquanto isso, e enquanto você fala baixo para a mulher na pracinha, a criança continua a brincar. Ela não pode ouvir a verdade. Ou talvez nem seja essa verdade a que você está falando, mas ela não deve ouvir o que por enquanto pertence apenas ao mundo dos adultos. Alguém vai matar alguém? Você vai ficar viúvo, sabendo e querendo e esperando ficar viúvo, para poder ficar com a irmã? Isso é, se ela for mesmo a irmã. Por que ela faria isso? Dinheiro, amor, poder? Por que ela faria isso? Por que você faria isso? Ainda não sei, mas a brincadeira continua.

A porta se abre na cela em que estou. Que bem pode ser um quarto, como já expliquei. O lugar de onde escrevo. O relógio continua correndo, e não sei se essa escrita vai se prolongar por muito mais. Ainda não nos conhecemos e, confesso, houve momentos em que achei que isso nunca fosse acontecer. Continuei por um simples ato de fé. A escrita é um ato de fé, não uma questão de gramática, disse Doctorow. Ou foi E.B. White? Meus braços cansam de novo, meus dedos parecem que não vão chegar ao fim disso. Mas por hoje sei que temos um homem alto e moreno, uma mulher alta e magra, cabelos castanhos, e uma garotinha brincando na praça.

Faço anotações, espero eles me contarem sua história. Mas sou o intruso. Ainda não é hora da garota contar sua história. E ainda não sei bem por que, mas acho que ela sabe de tudo. Sabe, mas não sabe que sabe. Daqui a pouco anoitece e a criança vai ter que voltar para casa. Acho que o nome dela é Clara, mas ainda não tenho certeza. Sei que ela vai ter que voltar para casa daqui a pouco, e vou ter que esperar até amanhã para saber o que mais existe nesta história, que ainda não consigo enxergar, que você já sabe, mas ainda não vai me dizer. Quem sabe amanhã?

4 comentários:

  1. Olá caro colega!!!
    Claro que li o texto que publicaste!!! e se queres saber, li o texto acima também!
    Me identifiquei muito com o que tu escreves. Ás vezes sento e escrevo coisas que não sei onde vão dar, nem mesmo o sentido, sei que sinto uma angústia e preciso desabafar no papel. E gostei sim, se a próxima pergunta fosse essa... Já escrevi muito num tempo distante, e hoje quase não escrevo, quando parava para ler tudo, ás vezes dava uma novela, com vários personagens... Eu adorava! Agora me ocorreu uma questão... Será que estou no curso certo??? rsrsrs bjão!

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    1. Oi, Jaqueline. Obrigado pelo comentário e pela leitura. A melhor coisa que posso te dizer é: volte a escrever hoje mesmo!

      Se você está no curso certo... Bom, não sei, mas dá para ser psicólogo e escrever ao mesmo tempo - afinal, é isso que estou buscando neste exato momento, não é mesmo? Enfim, segue firme, e continua por aqui. Mais tarde tem texto novo...:)

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  2. Por que esperar até amanhã? Por que não agora? Por que não fazer o relógio parar? Uma história que nunca passa da meia-noite, uma história que nunca se deixa acabar, uma história que inspira o non-sense, mas por trás do non-sense está o que o homem dizia à sua mulher que bem pode ser a de outro qualquer, mas antes de tudo sua mesmo, sua e de ninguém mais, uma mulher que sabe que pertence a si e por isso dá-se ao luxo de doar-se ao outro e à garotinha e ao observador e … Viste, tu me inspiras, ó história sem fim. Mas daqui a muitos minutos será meia-noite e todos descobriremos que a história recomeça um segundo antes de chegar ao final. Grande abraço!

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    1. Gurias, vocês me fizeram sorrir aqui. Nunca pensei que o facebook fosse, afinal, servir para a literatura (isso graças ao Nano, claro). Vou reler tuas considerações mais tarde, porque agora não vai dar tempo de escrever - apesar de que já estou escrevendo -, mas desde já fico feliz em ter te inspirado e feliz que tu esteja por aí nessa corrida do Nano junto comigo, acompanhando essa doideira, essa serendipidade nova a cada dia. Grande abraço e até mais tarde!

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