quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Nanowrimo - Dia 7



Lady Clara.

É assim que chamavam ela. Uma dama, uma princesinha.

Lady Clara. Lembrei disso hoje, e me deu saudades e, claro, uma tristeza, daquelas que a gente sente quando pensa no passado e percebe que é apenas isso, o passado. Que passou, acabou e não volta, não importa o quanto a gente queira voltar. Ele não vai voltar.

Um pouco por isso, escrevo.

Escrever é uma forma de parar o tempo. A gente tira fotografias que não vão se perder, o que está escrito, fica. A pequena Clara, em meu sonho, ainda brinca no quadrado de areia, depois que cai do escorregador. O maior dos tombos a esperava pouco tempo depois, e a esse tombo seguiram-se outros, um pior que o outro. Mas até ali, ela apenas brincava. O homem alto e moreno ainda brincava com ela. Apenas brincava. No quadro de hoje, as duas mulheres não estão presentes. Talvez a mãe ainda esteja no hospital. Onde está a irmã? Talvez tenha ido no armazém, que já está aberto. Hoje é um novo dia. Ela compra pão de centeio. Clara adorava roubar o miolo do pão, fazer bolinhas com ele. Da casca, não gostava muito. Fazia a maior sujeira, e os caquinhos de pão ficavam espalhados pela mesa de madeira, redonda e azul. Mesa de armar, lembrei agora. Tudo que arma, se desarma um dia. E assim foi com aquela família.

A história vai voltando aos poucos. Comecei a escrever isso porque achava que ia encontrar essa história, e ainda acho. Minha cabeça dói de novo, como se ela tivesse sido atingida por uma pedrada. De tempos em tempos, ela volta a doer. Adoeci esses dias, como você bem notou. Você, que aos poucos deixa de ser meu personagem para ser meu interlocutor. É para você que escrevo, mas para mim, pois preciso chegar ao fim disso. Preciso, pelo menos, tentar. O relógio continua seguindo em frente, assim como tento seguir. Não olhe para trás, quem olha para trás não é digno do reino dos céus. Mas preciso fazer alguma coisa com essas memórias. Não posso mais fingir que não estão lá. Não posso, ao contrário do que acreditei todo esse tempo.

Preciso continuar escrevendo, porque acredito que essa luz vai aparecer se as frases forem se acumulando. Como é o nome disso, livre associação? É assim que pensamos, é assim que escrevo. O homem moreno, daqui a pouco lembro do nome dele, trabalha em um hospital. Veja, não tínhamos nada. Agora já temos uma praça, um armazém e um hospital, que surgiu hoje. Ele trabalha em um hospital. Enfermeiro, médico? Ainda não sei detalhes. Por isso continuo escrevendo. Para entender tudo que passou, quem sabe mudar alguma coisa. A história é minha, posso fazer o que quiser com ela. Ou será que não? Apenas devo escrever o que ela me dita. Apenas obedeço a sua voz. Na busca por Clara, Lady Clara. Seu nome é Clara. Você gostou dessa frase, não? Eu também gostei. E acho que ela também teria gostado.

Nunca gostei do meu primeiro nome. Mas ainda não é hora de me revelar para você. Senão vai perder a graça, e espero que você continue lendo mais um pouco. Espero que, de alguma forma, a gente mantenha esse suspense, pelo menos por enquanto. Tudo que posso dizer no momento, e é isso que eu queria que você guardasse, nunca gostei do meu primeiro nome, e um pouco por isso não vou dizê-lo a você hoje.

Imagino que a essa altura do dia, e pelo fato de eu ainda não ter dado notícias, você tenha pensado que eu não ia escrever. Pois se enganou. Se eu parar, ambos morremos, lembra? Então vou continuar. Tarde, mas vim até aqui, assim como sei que você vai aparecer, você que já está se mostrando.

Enquanto isso, a pequena Clara desce uma vez mais o escorregador.

10 comentários:

  1. Boa noite,Daniel!
    Olha,decidi deixar um comentário aqui tb,já que vc me convidou!!:)
    Poxa,sua história é muito bacana,vamos nos envolvendo de uma forma.No comeco parece uma corda cheia de nós que aos poucos vao se desfazendo e comeca a mostrar suas cores,lugares,personagens e logo vamos criando juntos uma representacao deles..rostos,características físicas,psicológicas.Muito bom mesmo.
    Sabe,até acho mais difícil escrever assim,mas é na desestrutura q vc criou uma estrutura no texto,as coisas vao construindo a cada palavra sua,cada leitura nossa!Eu continuo aqui pq algo me prende,que eu n sei ainda,mas quero descobrir!kkk

    Até a próxima atualizacao!!Beijos

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    1. Oi, Laila. Obrigado pelo comentário e pela leitura. Acho que essas sensações que tu citou, são alguns dos grandes objetivos da literatura, fazer o leitor viajar junto. O leitor cria junto com o escritor. Esse é o barato.

      Ah, qual era o endereço daquele blog onde tu deixou aquele comentário, lembra?

      PS - Mais tarde tem atualização...:)

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  2. Ai...ro de grão em grão... Faz-se um livro.... olhar para o passado ás vezes nos ajuda, tu não achas? Ver o que fizemos, onde erramos... O que realmente foi importante!!!
    O homem moreno trabalha em um hospital? Será??? Então já te vejo falando sobre muitos corações que ele possa ter partido.... Ai...amor!!!
    Já ta virando hábito ler-te todos os dias!!!!

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    1. Que legal, colega. Obrigado pela leitura. O homem do hospital partiu corações? Não sei. Quem sabe? Quer dizer, UM coração tenho certeza que ele partiu... Mas isso só conto mais para frente...hehe.

      Buenas, até mais tarde. Hoje tem texto novo...

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  3. Pois é, eu também estou meio doente, mas esqueceste de perguntar, ó narrador - ou seria narradora? Tanto faz. O fato é que não te importas se estou bem ou mal, talvez porque penses que estou em tuas mãos, entre os dedos, nas pontas, mas não te enganes: existo além de tua narrativa e com uma máscara distinta dependendo da cabeça de cada leitor. Pois é, tu me inspiras, narrador, com esta história sem começo nem fim, sem fim porque cíclica, porque… Bem, estou meio doente, mas não posso furtar-me ao comentário de que Lady Clara, Lady Laura, Lady… cheira a Naftalina, ainda que só na minha imaginação doentia e limitada de leitor - ou leitora, meu sexo não pretendo revelar (risos). Cuida-te, narrador querido, cuida para que sigamos, tanto faz se separados ou juntos, mas que sigamos desatando nós!

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    1. Sim, vamos seguir desatando nós.

      A história tem começo e fim, sim, eu apenas não divulguei, senão todos param de ler...:) Gostei dessa história de máscaras distintas. Como tu imagina esse homem alto, magro e moreno? Tenho quase certeza que a gente não enxerga o mesmo cara.

      Ah, por que Lady Clara cheira a Naftalina? :)

      Avante, rumo aos próximos nós...

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  4. Este comentário é da Helena para o Daniel, não do leitor (ou leitora) para o narrador ou narradora: Sim, sei que a história tem começo e fim, só queria alongar a conversa (risos). O homem moreno é moreno claro, jambo ou bem escuro, quase negro. É que os pardos têm vários tons (he he he). Acho que ele tem olhos verdes, mais de 1,80m, cabelo liso escorrido como os índios (ou como os do Maurício Mattar num passado distante, pode ser que agora esteja até careca já (risos de novo). Não é Clara ou Laura ou outro nome que cheira a Naftalina, é o Lady, como a Gaga (gargalhada). Bom, vamos agora aos próximos nós :-) Câmbio, desligo, volto a ser apenas o leitor (ou a leitora). Será que é possível determinar o sexo de uma pessoa por sua forma de escrever? Feministas, ação!!

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    1. Legal essa questão, de determinar o sexo a partir do jeito de escrever. Se eu (narrador) não disser qual o meu sexo, pelo jeito como tenho escrito, você pensa que sou homem ou mulher?

      Ah, tá (agora é o Daniel de volta), achei que estava ficando confusa a narrativa, por isso "não tinha começo, nem meio, nem fim"..:) Mas se deu essa impressão, tá valendo.

      Agora, ligar Lady Clara com Lady Gaga... meu, jamais teria pensado isso...hehe.

      Abraços e vamos aos próximos nós...

      PS - Você acaba de me dar mais uma ideia. Já sei como vou começar o texto de hoje...

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  5. "Mas preciso fazer alguma coisa com essas memórias. Não posso mais fingir que não estão lá. Não posso, ao contrário do que acreditei todo esse tempo."
    Ah, psicanálise... (risos)
    Continuo por aqui, lendo quando posso.
    Um grande abraço. :)

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    1. E aí, garotinha. Fico feliz de te ter por aqui nesta jornada. Sim, as memórias voltam e temos que fazer alguma coisa com elas, falar delas, nomear, ressignificar (sim, psicanálise...haha). Seja sempre bem-vinda. Obrigado pela leitura. Maria e eu esperamos continuar te vendo por aqui..;) Abraço grande!

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