sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Nanowrimo - Dia 8


Hoje me surgiu uma questão: será possível determinar o sexo de uma pessoa pela forma como ela escreve? Pela maneira como tenho escrito, sobretudo pela maneira como tenho escrito para você, que veio até aqui para ver se eu ia mesmo escrever hoje, você acha que sou homem ou mulher?

Daqui a pouco digo meu nome, mas gostaria de saber a sua opinião antes. Por mais que a gente, digo, eu escreva por uma necessidade interna, é importante saber o que você pensa do outro lado do muro, até porque tenho quase certeza de que leremos livros diferentes. O homem alto e moreno, magro e de camisa preta (hoje ele estava com uma camisa preta) que vejo talvez não seja o mesmo que você vê. Mas ele existe. Ou existiu. Ainda não quero dar muitos detalhes sobre o tempo em que estamos, sobre o tempo de onde escrevo. Será que estou no futuro, escrevendo sobre o passado, tentando juntar as palavras, feito cacos literários, para contar o que já aconteceu? Será que me esqueci, como me esqueci tantas vezes em parágrafos anteriores? Será que esqueci da minha vida, antes de esquecer sobre o que tratava a história que queria contar. Será? Você talvez não tenha paciência para minhas divagações. Mas saiba: jamais sei o que vou escrever antes de sentar aqui. As coisas, assim como coisas porque não têm nome, apenas vão surgindo na minha cabeça (em minha memória?), e vou registrando aqui, como em um divã de uma psicanálise, e talvez isso seja mesmo uma análise. Estou querendo, embora talvez ainda não saiba, porque quero me proteger, desenterrar alguns ossos sumidos no quintal da minha casa. De novo, escrever dói. Só que ainda não entendo, ou não quero entender, porquê.

Mas de novo: sou homem ou sou mulher? Você não pode me ver, tão bem quanto vejo a pracinha onde Clara brinca. Brincava, ou brincou, já está anoitecendo e sua mãe grita Cla-ra, Claaara, pois está na hora de ela entrar. Mas sua mãe não estava no hospital? Ela já voltou? Ou foi a outra mulher que chamou Clara, a irmã. Sua tia, portanto. Irmã dele ou dela? Se em algum lugar das linhas anteriores me ocorreu a ideia de um triângulo amoroso, deve ser a irmã da mãe, a menos que tivéssemos uma relação incestuosa. Isso se eles tiveram alguma coisa. Ou estão tendo. O tempo ainda é confuso para mim, assim como o espaço. Sobretudo pensar em como vim parar aqui. Como deixei minha vida chegar nisso, me perguntei dias atrás. Não importa, importa é que ela chegou, e se não posso mudar o passado, posso fazer alguma coisa com ele, nem que seja escrever e com isso lembrar. A luz há de vir.

Sou homem ou mulher, pela forma como escrevo? Na verdade, neste momento a questão literária sobre a forma como essas palavras estão chegando até você importam mais do que identificar o meu gênero. Mas seria interessante saber. Até porque preciso de você, preciso de você todos os dias, e mesmo que eu me atrase, você sabe: eu sempre venho.

Temos poucos elementos até aqui, mas já é um começo. O armazém, fechado agora, mas apenas porque é de noite, e o seu Zé (é Zé?) trabalha até de tardezinha. Esses dias tentaram arrombar o armazém, deu até polícia – então você sabe que estou em um lugar onde existe um armazém e que, de tempos em tempos, tentam arrombar.

Clara não pode brincar à noite. Ela quer ser gente grande, para poder ficar acordada até tarde.

O homem moreno (como é o seu nome?) trabalha em um hospital. Digamos que ela passe muito tempo em plantões, o que significa que brinca com Clara nos fins-de-semana. Mas ele trabalha mesmo no hospital ou apenas está visitando a esposa? Ela teve mesmo depressão pós-parto? Clara não é mais um bebê. Será que ela tentou se matar? Por que ela tentou se matar? Será que foi por causa de Clara, que talvez tenha decepcionado ela? Se a mãe estava em depressão, Clara deve ter decepcionado ela. E então ela tentou se matar, é isso?

Você quem diz, eu apenas escrevo. Não há sequer uma frase que tenha planejado antes. Apenas estou aqui, porque sabia que você também viria. Eu escrevo, você me lê, e assim seguimos. Dizem que a natureza não dá saltos, mas neste momento penso em avançar a fita, correr o filme para frente. Mas e se eu me decepcionar? Se você não estiver lá embaixo para me aparar? Aparar e amparar. Tenho medo. Já é de noite e, você ainda não sabe, mas sempre tive medo do escuro.

9 comentários:

  1. Daniel eu havia escrito um comentário considerável no dia 6 no tablet mas acho que meu tablet engoliu o comentário. Enfim, eu adorei uma passagem onde vc fala sobre personagens que brotam nos parágrafos. Deixa eu copiar aqui: "Os personagens vão nascendo nas esquinas dos parágrafos, entre uma frase e outra." Pior que brotam mesmo, e uns brotam para ficar.
    Minhas impressões sobre sua história: eu não confio no homem alto magro e moreno, ele me lembra o kevin bacon no filme O lenhador, mesmo o kevin bacon não sendo moreno. Acho que ele namora a mãe de Clara e guarda segredos nesse armazém. Ele é mocinho ou bandido?
    Você escreve como um rapaz olhando para o horizonte com os olhos apertados. E sua foto me lembra o ralph fiennes. Eu estou criando uma história para sua história, percebeu né? rs
    Um abraço e boa criação!

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    1. Oi, Cristiane.

      Que legal. Obrigado pela leitura e tuas impressões. Até, como tu assinou Crish, fui catar tua página pra ver se tu também estava no nano..:)

      Legal saber que tu não confia no homem alto e moreno. Sinal de que alguma coisa, provavelmente ruim, ele deve ter passado. Segredos no armazém? Não tinha pensado, mas... quem sabe?

      Sim, você está criando uma história para a minha história, e isso é muito legal. Já me inspirei segundos antes de começar a escrever lendo os comentários ali de baixo, da Helena. Se eu pensar em segredos no armazém (isso dá pano pra manga...), te aviso. :)

      E o teu livro, como tá?

      Abraços e boa criação pra ti também!

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  2. Ó narrador (ou narradora), não me dês este poder: de em tua escrita poder mandar, em tua história. Sim, tua história não existe sem mim, que te leio, como inexistem histórias de tantos outros que ainda não li e morrerei sem ler, morrerei sem descobrir todos os segredos e personagens e… bem, do homem moreno eu nunca desconfiei, desconfio da mulher que tu disseste que está no hospital. Tanto faz a cor da pele do homem, se fosse negro ou pardo estaria aí um motivo para explorar o preconceito embutido pela História de um mundo que nos ensinou, quase obrigando mesmo, a ver nas peles não brancas tudo o que há de mal e quanto maior a força dos tons escuros tanto maior o preconceito. Sim, desconfiaria muito mais da mulher, que deve ser 'branquela' e… Se tu és homem ou mulher? É cedo para especular. Há mulheres que escrevem como homens e homens que escrevem como se fossem mulher, sob pseudônimo, geralmente, mas tu és sensível, narrador (ou narradora) e queres contar a tua história, e é pela tua história que eu venho aqui. Mas não me dê este poder, rogo, não me dê este poder e a ninguém mais, o poder de parar a tua narração. Sigamos!

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    1. Obrigado pelo comentário e pela leitura. Mas não se preocupe, leitor, você não tem o poder de mudar a história. Já te dei esse poder, e você, leitor, me traiu, porque te ouvi e não gostei do resultado (na verdade, fui eu mesmo que me traí). Apenas pergunto para saber se você está indo para onde eu espero que vá. A pista ainda é sinuosa, mas pelo menos sei se estou indo para norte ou sul. Você ainda não sabe, mas é por isso que pergunto (você está indo para onde espero que vá?). É como ter uma crítica literária em tempo real, e a experiência está sendo um tanto nova, e interessante. E você me ajuda a vencer todos os muros que podem surgir para eu não escrever hoje, pois sei que tem alguém me esperando. Sigamos, sim!

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  3. Corrigindo: "Mas não me dês este poder, rogo, não me dês este poder e a ninguém mais, o poder de parar a tua narração. Sigamos!"

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  4. Sim, narrador (ou narradora), voltei. Por que desconfio da mulher que está no hospital? E se ela foi parar lá por estar chantageando alguém emocionalmente? O homem moreno, talvez, ou irmã, ou ambos: "Se você me deixar eu me mato". E ela tentou, ou quem sabe foi um acidente, ou ela criou a paranóia de que a pequena Clara (que não sabemos se também inocente) teria tentado matá-la fazendo parecer suicídio e os motivos e a viabilidade de tudo isso é um problema agora teu, ó narrador. De agora em diante, independente do teu sexo, chamar-te-ei apenas assim: narrador. Adeus que já me vou… indo. Fui!

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  5. Sim, narrador, acabei voltando pois lembrei que não havia concluído o que queria dizer. Já paraste para pensar que em meu comentário sobre a 'brancura' da mulher estaria encerrado um preconceito? Também ao sucumbir à associação da mulher à triste herança de Eva: a mulher é culpada, a mulher é o mal, o mal é a mulher, e o diabo, a mulher é diabólica, a mulher… Sim, agora que já disse o que aqui na mente ia-me por dizer podes dar-me um piparote na orelha, como Machado aliás fez com os seus leitores em mil oitocentos e pouco, mas também com seus leitores mais atuais, onde me encaixo. Será?...

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    1. Sim, eu tinha pensado isso quando tu chamou a mulher de "branquela", mas faz parte. A gente lê e está se lendo, e portanto tem seus próprios preconceitos. Todos temos em relação a alguma coisa. O homem moreno e alto poderia ser um homem loiro e alto, de olhos verdes. Mudaria alguma coisa, penso, no inconsciente coletivo de quem lê. Mas faz parte. Até porque quando a gente lê, ninguém ouve os preconceitos, os sentimentos, as opiniões nossas a partir do que estamos lendo, a menos que a gente queira compartilhar com alguém. Mas considere-se piparotada na orelha...:)

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  6. Oie Daniel!Me atrasei bastante,mas hj a noite lerei todos os capítulos e comentarei um por um,se n te chatear claro!rs..Beijao

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