quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Piano Para Pequena Clara – Dia 143



Quarta-feira, 12 de agosto de 2014

21:27

Você vai dizer que estou brincando, que sou forçada. Mas: está chovendo. Chove depois de um dia cinza, lindo, como eu gostaria que fossem todos os dias do ano. Fez aquele frio que me remete a um lugar seguro e bom. Frio, dia cinza. Chuva. Talvez esta história termine em um dia de chuva, com todos mortos depois de um incêndio. Mas talvez a chuva traga algo de bom, algo que no dia de hoje eu poderia chamar de esperança, e talvez o fim que mais temo e do qual fujo, que me amedronta noite após noite, embora finja que não, seja mudado.

Mudar o futuro.

Mudar o que aconteceu.

Me arrepio quando escrevo essas coisas. É só uma historinha, não é? Maria, a mãe, a pequena Clara. Jonas, irmão de Clara, e Marcos, que é primo, mas também irmão. Os outros acho que não valem um níquel, embora não sei se posso julgar meus personagens, se fui eu mesma que criei.

São criação, é apenas mentirinha, não é?

Sabby me convidou para uma dança. Dancei com Lady Brownie e foi lindo, mas era apenas um sonho, como às vezes acho que é tudo isso. Mas se eu soubesse dançar nesta vida, e só porque não vou fazer isso, poderia imaginar uma dança nesta chuva.

Não posso deixar de registrar que Clara gostava de deslizar pela grama encharcada, em dias de chuva.

Maria chamava seu nome, dizia para ela voltar.

Mas talvez ela tenha deixado a filha brincar, ficar mais um pouco.

Talvez Jonas e Marcos estivessem junto.

Brincando.

Felizes.

Tenho vontade de chorar quando penso no quanto eles foram felizes nessa chuva. E talvez tenha havido outras chuvas. Talvez a chuva não seja o fim de tudo, afinal. Talvez Claudius tenha ficado com a princesa Clara, em um armazém abandonado, um castelo do qual ela não conseguiu fugir. E talvez fosse um dia de chuva. Meu deus, talvez ela quisesse gritar, ou tenha mesmo gritado, mas estava chovendo. Só ouviram os pingos.

O céu chorava, enquanto escrevo, como chora hoje, e eu mesma tenho vontade de chorar.

Mas por algum motivo que não consigo explicar (Sarah disse que “isso que não consigo explicar” é sempre inconsciente, pulsões de vida ou de morte e aquelas loucuras dela), acho que vai passar. A dor mais funda vai passar. A chuva leva ela para longe, o céu negro lava minha angústia. E como diz Dafne, a gente até pode acreditar que é feliz.

Por que não? Uma chuva sem trauma, apenas com uma coisa boa, mesmo que eu não saiba dar nome para essa coisa. Algo bom. Existe uma música, uma orquestra, uma melodia, um uivo, um chamado, um suspiro, um sopro de vida, que é tudo isso. Aquilo que não consigo dar nome. Aquilo que me jogaram e de alguma forma tenho que devolver para o mundo.

Por isso escrevo.

Vejo o olhar de Clara perdido na janela, olhando para a chuva.

Vejo o mesmo olhar no rosto de Maria, a mãe. Atrás do vidro, distante da chuva.

Elas eram muito parecidas, só agora percebo.

Mãe e filha.

Meus amores.

Me arrepio quando escrevo isso.

E não tenho mais vontade de chorar.

Obrigado, chuva.

Obrigado.

Não tenho mais vontade de chorar.

21:47

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