terça-feira, 11 de novembro de 2014

Piano Para Pequena Clara – Dia 142




Terça-feira, 11 de novembro de 2014

21:44

Começo a escrever. Sabby disse que estou na difícil missão de decidir seguir em frente ou recuar, e em ambos casos vou me complicar ainda mais. Eu pularia do penhasco, Sabby, se não tivesse quase certeza que vou me espatifar lá embaixo. Maria Feito Caquinhos. Caquinhos do que poderia ter sido e não foi. Mas acho que Sarah não me diria isso. Ela sabe, malditos psicanalistas, que quanto mais tento fugir, mais o abismo se torna inevitável. Acontece que este voo, de uma montanha a outra, dói como nada em minha vida, esta vida que não recordo, poderia. E é algo, suspeito, que ainda não possa suportar.

Por isso vou escrevendo, devagarzinho, como Lady Brownie caminhando.

Ela caminha tão devagar, tão em câmera lenta por causa de sua doença, que às vezes até parece uma dança.

Teria isso ficado em meu inconsciente?

Sonhei com ela.

Esses dias ela me pediu, assim como quem não pede já pedindo, que talvez um dia eu pudesse escrever sobre ela. Uma historinha, um poema. Uma cena para Dafne pintar, pensei. Se eu soubesse escrever qualquer coisa, juro que escreveria para ela. Só que não sei. Aquilo que escrevo só escrevo porque ninguém vai ler (embora, volto a me assustar, acho que algumas dessas zumbis leem escondidas isso aqui, enquanto durmo ou me distraio).

Eu não saberia escrever nem sobre Brownie, nem sobre ninguém.

Porra, não sei nem escrever sobre mim mesma.

Mas sonhei com Brownie.

Estávamos sobre um palco. Ela caminhava sobre ele e um holofote acompanhava seus passos, em direção a mim. Bonjour, disse ela. O palco estava escuro. Iluminado apenas pelos passos delicados de Brownie. Tive certeza que ela era bailarina. Ninguém que não fosse poderia caminhar daquele jeito. Ela abriu os braços e começou a dançar uma valsa e ouvi o som de um piano. Não o piano triste e lindo que sempre ouço, mas um piano tocando uma valsa. Bonjour, bonjour, bonjour, cantava ela.

Ela veio até mim e segurou minhas mãos, me convidando para a dança. Nunca soube dançar, muito menos uma valsa, mas ela me conduziu. E animada por uma força que só pode ter sido divina, dancei. Dançamos. Bonjour, bonjour, bonjour, cantava ela. Bonjour, bonjour, bonjour, cantei eu. Duelamos, cada uma dizendo a saudação para a outra, feito espelho, feito bumerangue. Feito eco.

Ela estava linda. Vi que ela tinha nascido para aquela dança. Não posso deixar de registrar isso: eu também estava bonita. Linda, não sei. Linda, que se dane. Estávamos lindas. Metade da dança vestidas de bailarina, metade da dança vestidas de branco, metade da dança vestidas de preto. O holofote e o compasso do piano nos acompanhavam, acho até que eram eles que nos conduziam.

Não consigo imaginar Clara com 15 anos para dançar uma valsa com Dr. Estuprador. Não consigo imaginar Maria, a mãe, vendo aquele nojento dançar com sua princesinha. Não consigo imaginar Lara, titia putinha que dava pro papai enquanto a maninha vivia internada em hospitais, vendo essa dança. Mas talvez Jonas dançasse com Clara. E Marcos também.

Uma dança entre irmãos.

Ó Brownie, será que essa dança teria sido possível?

Ou foi apenas um sonho?

Porque se foi, quero voltar.

Quero voltar, Sabby.

22:04

2 comentários:

  1. Vamos dançar, Maria. Adoro dançar. É conexão com o corpo. Conhece seu corpo, Maria?
    Vamos dançar porque é afeto, dá alegria. Vamos dançar para voltar se ter que ir. Vamos dançar.
    Sabby

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  2. Lindo Maria!!!! Como é maravilhoso dançar, a dança é transcendental, movimento constante que nos traz a alegria de viver!
    Pode ser Browie ou com as outras filhas da Maria, mas que todas lhe tragam muita paz, paz de espírito para o seu coração!
    Browie

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