terça-feira, 25 de novembro de 2014

Piano Para Pequena Clara – Dia 148




Terça-feira, 25 de novembro de 2014

22:01

Ontem choveu e não escrevi. Não sei se foi isso. Hoje senti o peito apertado, uma raiva de querer dizer para o mundo, carinhosamente: vá se foder. Será a falta da escrita? A falta de sangrar aqui? A falta de chorar um pouco mais? De gritar, até porque quando grito pelas palavras escritas ninguém ouve, mas meu espírito enxuga suas lágrimas, e às vezes cansa suas cordas vocais do coração, será isso? Porque dói. Mas é uma dor boa.

A dor que cura.

Sarah disse que a gente pode escrever para limpar os pensamentos.

Para organizar o caos.

O caos dentro de mim.

As palavras vão se acumulando e a dor vai ficando lá para trás, no começo da frase, para onde não olho mais e vou seguindo em frente. Sem raiva, sem medo. Ou com tudo isso, mas com palavras que vou tirando não sei de onde, e ainda não entendo qual a mágica que me faz escrever, talvez a mágica daquela música que sugere um lugar bom, porque existe esse lugar, e escrevo pensando nele, canto e danço, se eu cantasse e dançasse, pensando em como ele é. Como será, o lugar que fica no fim disto tudo.

Lá onde está a pequena Clara.

Pensei se Lady Ballet dançava por esse motivo.

Dafne mostrou uma de suas pinturas, uma mulher deitada, linda, em sua incompletude, naquela dor que rima com amor. Acho que escrevo para garotas com fendas. Como Daf, Sabby. Lady Ballet, provavelmente.

Às vezes isso tudo parece um Hino à Depressão.

Mas sei que de algum lugar, Clara, se chegou a crescer, deve ter tirado forças para seguir em frente. Penso nisso enquanto escrevo. Maria, a mãe, feliz, mas tristonha, ou uma tristonha feliz, talvez tenha tirado forças também, no meio da solidão em uma das várias vezes em que foi internada. Elas sabiam que existe algo na dor que só quem já compartilhou dela pode entender. E talvez elas também tenham se esquecido de onde colocaram, depois que esconderam: sua dor.

Aqui dentro faz calor. Não gosto de calor. Talvez este texto, sempre horrivelmente mal escrito, tivesse saído melhor se eu tivesse escrito ontem. Mas talvez não existisse, aliás, certamente não existiria, se eu tivesse escrito ontem. Escrevo, choro, grito e quero explodir: hoje. Ontem foi ontem. Escrevo o que sou agora e só escrevo porque sei que ninguém vai ler. E mesmo que alguém leia isso aqui escondido, por que perderiam seu tempo com esta merda?

Por que perderiam seu tempo comigo?

Talvez haja um motivo. Quer dizer, é claro que há. Hoje outra dessas loucas, porque a história que tento esconder a cada noite parece querer criar asas e sair pela janela, me perguntou qual o sobrenome da família de Clara. Tipo, poderiam fazer um genograma, como já devo ter pensado um tempo atrás, e essa doida me veio com essa: qual o sobrenome da família de Clara?

Nunca tinha pensado nisso.

Achei uma pergunta perturbada de uma garota perturbada. Outra garota com fendas.

Mas talvez aí esteja um dos segredos desta história.

Se eu descobrisse um nome a mais, talvez eu estivesse salva.

Um nome a mais, ó meu deus, e descobriria como termina a história de Clara.

De novo, me arrepio.

O que significa que estou no caminho certo.

Sabby me contou que anda de olho em um desses malucos. Disse que ele gosta de poesia, que foram feitos um para o outro, que são almas gêmeas, parecem ler a mente um do outro. Ainda não sei se isso é real ou está apenas em sua mente delirante – mas se for, e daí? Ela pareceu feliz e isso, por hoje, basta para uma garota com fendas.

Um nome e um sorriso.

Acho que é tudo do que precisamos no dia de hoje.

Enquanto respiramos, aliviadas, na esperança de estarmos indo, não sei e não importa para onde.

Rumo ao penhasco. Que nos chama. Que nos pede um mergulho.

Mas que no dia de hoje, acredito: vai nos acolher.

22:23

2 comentários:

  1. Ei, Mary, era segredo!
    Mas tudo bem, tomara que ele saiba. Quem sabe se ele ouvir os comentários dos outros loucos, ele... saia correndo.
    Mas afinal, ele é maluco mesmo! Para ser tão bela flor...
    Abraço! Sabby

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    Respostas
    1. Somos todas malucas e malucos. Desculpe, ainda me iludo achando que ninguém lê o que escrevo trancada aqui. Mas a mensagem, de alguma forma, deve chegar em quem tem que chegar. De mim para mim, mas talvez de mim para ti e outras doidas mais. Quem sabe até uns doidos.
      Abraço, Mary

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