segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Piano Para Pequena Clara – 145




17 de novembro de 2014

21:21

Hoje uma dessas malucas passou por mim no corredor com uma roupa que parecia um pijama, como se as outras também não tivessem roupas estranhas, e me disse:

Quero ver você escrever um novo capítulo da sua historinha hoje, antes das 10 da noite.

E sumiu no corredor.

Nunca tinha falado com ela.

Tenho menos de quarenta minutos, neste momento.

A porta está aberta. O corredor está deserto. Não tenho nada para escrever, mas não tinha nada para escrever desde a primeira linha. E algo aconteceu. Então vou escrever. E confiar que algo vai acontecer. Tipo uma historinha surgida do nada.

Ouço uma melodia que me arrepia, distante como o tempo, mas tão perto como o tempo, e que ainda não sei se existe de verdade ou está só nos confins da minha cabeça. Nos confins de mim. Mas, acho, se eu imagino que existe, então existe. É o meu mundo interno, diria Sarah.

Sabby disse que deixaram ela sair, e ela comprou bolachinhas e chocolate. Então ela voltou e disse que um homem estava comprando muitas cervejas.

Não sei se já falei pra ela, mas eu não bebo. Por algum motivo, o cheiro de álcool me traz uma sensação ruim, de além do horizonte.

Claudius bebia.

Claudius batia em Maria, a mãe.

Claudius abusava de Clara, a princesa mais linda do universo. Sua filha.

Claudius voltou a beber depois de dez anos, quando estava se divertindo com Lara, provavelmente no quarto de Maria, quando ela estava internada no hospital. Lara, irmã de Maria.

Putinha.

Sabby contou que foi naquela festa, para a qual se arrumou com vestido e tudo. Ela disse que viu uma garota com cabelos curtos que ela achou que tinha uma namorada, e que conversou com um outro cara, que tirou ela para dançar, mas ela disse não. Não sei se isso aconteceu mesmo ou ela sonhou. Na verdade, se ela me conta, em algum nível, aconteceu. Faz diferença? A ideia desse pessoal dançando é algo que aproxima este lugar de um manicômio. Mas um manicômio feliz, suponho. Um pouco de dança, por que não?

Achei estranho essa garota de pijamas me intimar a escrever mais um capítulo desta história, horrivelmente mal escrita, que nem história é. Apenas um delírio.

Ou será que não?

Sarah está me pregando peças. Alguém, não sei quem, talvez ela, sabe para onde estou indo. Mais do que eu, ou mais do que eu consigo ver. Ou quero ver.

Não vi Cris hoje, mas comentei assim, bem por cima, largando uma palavrinha aqui outra ali, sobre a história de Clara. Ela perguntou por que Clara não visitava Maria no hospital, na prisão, no manicômio, ou seja lá onde ela esteja.

Não sei.

Mas acho que desci mais dentro de mim pensando nisso.

Então ela falou:

Se eu pudesse dizer alguma coisa para essa Maria, seria: não desista.

Senti vontade de chorar.

Acho que no fundo o que ela quis dizer, porque foi embora depois disso e não disse, é isso mesmo, e me arrepio, e tenho vontade de chorar, mas sigo em frente porque escrever dá um novo sentido às minhas cicatrizes, às minhas queimaduras, às faltas que tenho, que Sabby tem, que Dafne tem, que Brownie tem, Jade, e todas nós. É isso o que ela quis dizer, e escrevi tudo isso para registrar o que sempre esqueço, mas também acabo lembrando, feito bichinho no ouvido, bichinho bom, que insiste, que quer, que implora:

Não desista, Maria.

Não vou desistir, Cris.

Hoje não.

21:42

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