domingo, 5 de janeiro de 2014

Depois do Nanowrimo - Dia 48


Tudo bem, eu sei que não ando escrevendo todos os dias como você esperava. Maria Desmotivada.

Mas eu vou tentar consertar isso. Acontece que tenho a terrível impressão de que ninguém jamais vai ler as bobagens que escrevo aqui, sobretudo a minha historinha familiar doentia.

“Minha” porque eu vivi ou inventei?

Essa é uma das dúvidas que me fazem continuar escrevendo. Até onde vai esta história? Suspeito, mas não tenho certeza. Maria Péssima Escritora – já me autodenominei assim? Não lembro. Sei que a porta está aberta de novo, outro raro momento em que escrevo e parece que o mundo é só meu, e é só meu enquanto eu me mantiver escrevendo, e é dia e não tem ninguém para me interromper, exceto eu mesma. Maria Interrompida.

Sabe que às vezes até esqueço, talvez de tanto escrever Maria pra cá, Maria pra lá, que nunca gostei de ser chamada pelo meu primeiro nome. Maria de Tal que nunca gostou de ser chamada de Maria. Maria que chegou neste lugar e não lembra como. Por isso, também, escrevo.

Vamos tentar recapitular. O que temos até aqui: temos Maria, a mãe, a pequena Clara, o também pequeno irmão Jonas – moreno como o homem moreno, portanto seu filho. Lara, a irmã de Maria, tia de Clara. Lara foi cuidar de Clara enquanto Maria estava no hospital, e acabou cuidando também do homem alto e moreno de cabelos lisos – na cama de Maria.

Lara sabia o que o homem moreno fazia com Clara?

Isso ainda não sei. O que você acha? Por que não me ajuda a escrever esta história?

Sarah diz que tenho que chegar às minhas próprias conclusões, ela não pode me dar a chave para abrir esta porta. Por que não? Será que não vou acreditar no que ela tem para me dizer, se é que ela sabe mais do que disse a meu respeito, como tenho suspeitado?

Sei que a pequena Clara via a porta do quarto de seus pais fechada, com o homem moreno e Lara lá dentro. Será que ela se perguntava o que acontecia lá dentro, como as outras crianças costumam fantasiar? Será?

Acontece que em minha visão, e se o inconsciente está ditando esta história que parece escrever a si mesma, então tenho que escrever isto, uma noite a porta se abriu. Clara estava de meias caminhando pelo corredor. Era um dia frio e ela adorava caminhar de meias pelo chão. Lara saiu do quarto sem roupa e entrou o banheiro, sem olhar para Clara. Som de chuveiro sendo ligado, pingos tamborilando no chão. Clara ficou parada, a porta do quarto ainda aberta. Então o homem moreno chegou até a porta. Com um lençol em volta dele. Clara continuou a olhá-lo e ele olhou de volta para ela. Não sei se ela sentiu medo, ou se ainda estava tentando entender o que estava acontecendo, em sua mente de criança que ainda não tinha entendido por que a mãe foi para o hospital em depressão e só entendia vagamente por que ela passava dias deitada como se estivesse morta e apenas diziam “mamãe está doente”. E talvez Clara também não tenha entendido por que o homem moreno sob o lençol a encarando no escuro começou a apalpar o lençol e esfregar a mão pelo corpo. Ele fez a cara de mau que sempre fazia e Clara se assustou. Mas não se mexeu. O homem continuou apalpando o lençol, apertando e soltando, com os olhos fixos nos olhos de Clara.

A porta do banheiro se abre. O homem moreno se demora por alguns instantes. Olha na direção da porta, depois na direção de Clara. Ele entra no banheiro. A porta se fecha. Risadas.

Clara caminha até a cozinha, até o fogão, até os botões e gira todos. Ela treme. Os botões todos girados. Cheiro de álcool na cozinha. O homem moreno talvez estivesse bebendo com Lara. Risadas no banheiro. Cheiro de álcool. Não de gás. Clara aproxima-se do fogão. Silêncio.

O gás havia acabado.

Risadas no banho.

Clara começa a chorar e volta para o quarto, deitando na cama. Lágrimas no escuro que ninguém jamais veria.

Ela ia ter que esperar mais um pouco para morrer.

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