sábado, 11 de janeiro de 2014

Depois do Nanowrimo – Dia 50


Cinquenta dias. 

Cinquenta dias que escrevo aqui. Embora não tenha escrito todos os dias, mesmo que Sarah me sugira escrever diariamente, mesmo que seja um pouquinho, mesmo que seja uma frase, nenhum dia sem uma linha, escrever por cinquenta vezes, considerando que raramente escrevo na mesma história, se é que se possa chamar a história de Clara de uma história que supõe-se ser inventada, é uma forma de contar o tempo. 

Logo, estamos nessa há mais de cinquenta dias. 

Quantos, não posso precisar, porque trancada aqui – mesmo que neste momento a porta esteja aberta e não haja pessoas no corredor, ao contrário do que acontece ao longo dos dias – é difícil precisar o tempo. Na verdade, é difícil precisar qualquer coisa, a começar por pessoas e lugares. Sentimentos, não sei. 

Por isso escrevo.

Ainda penso em Clara. Esses dias vi Lara passando pelo corredor. Não este que fica aqui ao lado do lugar de onde escrevo, mas em um corredor da história que estou tentando contar. Talvez ela estivesse indo ver o homem alto e moreno de cabelos lisos. Podia ser um corredor da casa onde ele morava. E talvez Clara tivesse visto ela passar. Talvez se perguntasse o que ela ia fazer. Talvez já soubesse. 

Vou especulando porque assim meu inconsciente me conta mais coisas que não lembro. 

Digo, não consigo criar. 

Sim, é claro que essa historinha tem algo a ver comigo. As histórias que a gente inventa têm sempre algo de autobiográfico, embora os escritores neguem de pé juntos que é tudo de mentirinha. Mas por que escolhi contar uma história tão horrível? A gente não escolhe as histórias para contar; elas nos escolhem. E então somos obrigados a contar. Mesmo que os outros não queiram ouvir ou ler. Se a história aconteceu, ela deve ser contada.

Aconteceu ou estou inventando?

Ainda temos algumas questões. A praça onde o homem alto e moreno de cabelos lisos brincava com Clara e agora acho que brincava com Jonas também. Em minha mente, ele está neste momento dando um tapa na bunda de Lara, e talvez ele tivesse se descuidado ou, o que é mais provável, não estivesse nem aí se sua filha estava observando o pai dar um tapa na bunda da tia, até porque o pai ficava trancado no quarto com a tia, e talvez ele não se importasse se Clara sabia ou desconfiava o que acontecia lá no quarto. Até porque não era para acontecer nada. Se tivesse que acontecer, embora Clara talvez ainda não entendesse bem como isso se dava, era com Maria.

Maria, a mãe.

Maria, como meu primeiro nome.

A essa altura acho que ela já tinha saído do hospital, mas como suspeito, e não seria normal se fosse diferente, ela foi para o hospital mais de uma vez. Ela passava muito tempo apenas deitada, e só muito tempo depois Clara entenderia que a mãe estava com depressão.

Mas acho que esta história não engloba o “muito tempo depois” de Clara. É possível que sua história tenha chegado ao fim antes de ela entender isso. 

Não, sua história não pode ter chegado ao fim.

De alguma maneira, escrevo para deixar Clara viva. Ela não pode morrer, não pode ter morrido. Ainda não entendo bem por que, mas sei que enquanto eu escrever Clara estará viva. 

Por isso fico aqui, noite após noite. Preciso dela viva. Ela precisa de mim, embora ainda não entenda direito como, também. Eu preciso de você. E espero você. Todas as noites. Penso em você, escrevo para você. Para você e para Clara. E para mim.

Também preciso ficar viva mais um dia.

Um comentário:

  1. Vc está corretíssimo, ou melhor, Maria está corretíssima, tudo que escrevemos tem algo de autobiográfico, em quantidade e profundidade variável.

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