quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Depois do Nanowrimo – Dia 66


22:08

Voltei a ouvir o som do piano. Tão bom, embora triste. Achei que nunca mais fosse ouvir. Em minha mente, aqueles acordes me conduzem a um lugar que ainda não sei bem onde, nem como é. Mas repito, mesmo doído, me traz paz. Conforto, eu diria.

Memórias.

Fiquei uns dias sem escrever, e claro que fui adiando a retomada até ter coragem de jogar tudo isso no lixo e desistir de uma vez por todas de contar esta história. Desistir de mim, suponho, já desisti faz tempo.

(Pausa)

Chamam meu nome. E agora me chamam pelo meu primeiro nome, e até já me acostumei, ou acho que acostumei. De qualquer forma, odeio ser interrompida. Já tenho dificuldade para me concentrar.

Puta que pariu.

Vamos tentar começar de novo. Lá vai.

22:57

Você já descobriu o segredo desta história e não quer me contar, não é mesmo?

Maria, a ingênua.

Maria Que Não Quer Ver.

Que Não Consegue Ver.

Sei que Sarah me sugeriu colocar uma fotografia nesta história.

Ela disse que as fotos, em literatura, contam uma história. Nos filmes também. Por exemplo, a gente sabe quem é casado com quem, quem é filho de quem, só pela fotografia. Então, consigo visualizar Maria, a mãe, deitada na grama, com o rosto sorridente sobre as palmas das mãos, as mãos como um suporte para o sorriso, e Clara debruçada sobre ela, com a mão esquerda sobre seu ombro. Sorrindo.

Nunca pensei que minha mente pudesse fabricar a Clara sorrindo.

O piano volta em minha mente.

Clara e Maria sorrindo.

Isso não é uma foto. É uma pintura. Parecem dois anjos, um abraçado no outro.

As duas sorriem de mostrar os dentes.

Clara sobre as costas de Maria.

Poderia ficar olhando para essa foto por horas. Pena que não sei desenhar, mas se algum dia isso virar um livro bem que podia ter uma fotinho de uma garotinha sorrindo sobre as costas de uma mulher mais velha, ambas sobre a grama, ambas de pés descalços. Elas usam roupas curtas, e então suponho que fosse um dia de primavera. A grama de um verde muito verde. Poderia pensar em alguma metáfora mais bem elaborada para descrever a cor, mas pense em uma grama e as árvores ao fundo – imagine essa fotografia. As duas sorrindo.

Então houve uma época em que Clara sorria e Maria também. Meu deus, a história podia terminar aí. Esse momento poderia ser congelado no tempo, e em minha mente quero continuar escrevendo para fixar o passageiro, para dar um pouco de imortalidade a essas duas. Elas estavam sorrindo, posso fazer elas duas sorrirem. Então talvez haja esperança. Um pouco, que seja, mas ela existe. Clara e Maria sorrindo na grama. Talvez eu deva jogar tudo o que escrevi até agora fora, e ficar apenas com essa cena. Talvez começar de novo, essa seria a cena inicial. Elas duas sorrindo.

Eu quero que a história termine aí. Mas aí não teríamos conflito. Não é a vida, é apenas um momento. Não é a vida, mas poderia ter sido. Ou poderá vir a ser. Elas sorriram um dia. Talvez possam voltar a sorrir. É só uma história, sua idiota, por que não faz o que quiser com os personagens? Porque não penso, apenas escrevo, e meu inconsciente vai ditando essas imagens e elas vão saindo uma a uma, como de uma caverna cheia de truques de fantasia. Cheia de mágica. Apenas escrevo, e continuo sem saber o que escrever. Mas queria dormir hoje e acordar amanhã pensando nessa fotografia. Talvez deva escrever mais sobre ela.

Diga, você já descobriu o segredo desta história?

Porque se descobriu, e acha que estou enganando alguém, a começar por mim mesma, isso estragaria minha noite. Mas honestamente, não me interessa. Com Clara e Maria sorrindo, deitadas, abraçadas, felizes sobre a grama em um dia de sol, não há nada que possa acabar com a minha noite hoje.

Talvez amanhã.

Talvez amanhã eu desista, e elas desistam de si.

Mas hoje não.

Hoje não.

E vou dormir agradecida por isso.

23:16

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