sábado, 1 de fevereiro de 2014

Depois do Nanowrimo – Dia 57


Sei lá por quê, você me diz para não desistir. Que eu inspiro você, pelo simples fato de não desistir, mesmo sabendo que quase todos os dias penso em abandonar tudo. E ir para onde, fazer o quê? Desistir da vida, talvez, e de alguma forma que ainda não consigo alcançar, desistir de contar esta história já seja em si desistir da vida.

Você me diz para continuar. Não tenho vontade, digo eu, e muitas vezes também me falta vontade (ou motivo?) para sair da cama, seja a hora que for. Continue mesmo assim, me diz você. Arraste-se, se for preciso, mas não pare. Isso soa forte. E antes que pense outra vez em desistir, e hesitar em quem sabe continuar, quem sabe mais um dia, já estou escrevendo. 

De alguma maneira que também não entendo, parece que você quer saber sobre Clara. Também quero saber dela. Quer dizer, quero-mas-não-quero, quero-mas-tenho-medo. Sempre digo que tenho medo de descobrir que sou uma péssima escritora, mas na verdade isso já descobri faz tempo, que não levo o menor jeito para contar histórias. Mas talvez, como devo ter dito em alguma dessas noites, em que me tranquei aqui para escrever, longe das pessoas todas muito parecidas de além da porta fechada, e enquanto aguardava a hora de jantar com Cris, meu medo seja simplesmente de aceitar o que aconteceu com Clara. Aceitar, não; inventar, porque é apenas uma história de ficção, não é? Aquilo que conto, ou melhor, que tento contar, noite após noite, mesmo que fique noites e dias sem escrever, é apenas uma historiazinha. Não aconteceu de verdade.

Não é?

Responda-me, você que nunca responde nada, e já nem sei para quem afinal me dirijo, se Sarah, se Jonas, se Cris, que também quase não fala, ou se apenas meu interlocutor invisível, um amigo imaginário literário.

O caso é que em minha mente vi Lara passando pelo corredor, e ela sorria, abanando. Levava Clara no colo – sim, Clara ainda era pequena. Lara levando sua sobrinha Clara pelo corredor, abanando, sorrindo, jovem.

Mais bonita que sua irmã Maria. 

Meu deus, Maria como meu primeiro nome. 

Talvez ela não fosse tão mais bonita, mas era mais jovem, e muito mais cheia de vida. O que não quer dizer muito, porque talvez desde essa época a vida de Maria já estivesse se apagando.

E então tenho um misto de tristeza e raiva ao pensar que o homem alto e moreno de cabelos lisos não cuidou de Maria. Não cuidou de Clara, com certeza, mas quando Maria começou a adoecer, e isso pode ter sido muito tempo atrás, ele não cuidou dela. Ele só cuidava, e a isso talvez se deveu sua reputação de excelente profissional da saúde, de seus pacientes.

Ele abusou de algum ou alguma paciente?

É possível, não tinha pensado nisso.

Quantas coisas há nesta maldita história que não consigo criar, porque não consigo entender, e se não entendo também não posso criar. Ou simplesmente não aceite.

Cada coisa que descubro, digo, invento dói um pouco mais. Cada coisinha, cada pecinha deste quebra-cabeça, cada risco para descobrir esta pintura coberta de nanquim, dói um pouco mais. Me disseram que é assim mesmo, que fazer terapia dói e mesmo que estes escritos não sejam, até onde eu saiba, terapia... escrever dói como gilete nenhuma me cortou antes.

Acabo de ter um súbito mal-estar por ter pensado em uma metáfora como “giletes cortando”. Clara se cortava? Eu acho que sim, neste momento, e talvez já tenha escrito isso e me esqueci. Mas neste momento eu acho que sim, Clara se cortava com giletes. Existe uma maneira de cortar os pulsos que a maioria das pessoas que tenta se matar assim ignora, e que é a única maneira correta para morrer se cortando.

Clara não sabia disso naquela época. 

Mas infelizmente aprendeu o jeito certo mais tarde.

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