sábado, 22 de fevereiro de 2014

Depois do Nanowrimo – Dia 65



20:32

Não me acho bonita.

Não lembro se nunca achei, ou já achei e me convenceram do contrário. Cris disse que eu sou bonita, que não consigo ver a força que tenho dentro de mim. Não consigo ver muitas coisas, suponho, e por isso decidi voltar a escrever. Já tinha quase me convencido a jogar essa historinha no lixo, ou simplesmente deixar para amanhã, que em linguagem simples quer dizer adiar até o sempre. Mas, sei lá por quê, voltei, meio sem voltar e já voltando, e agora escrevo. De qualquer forma, Cris jantou comigo mais cedo hoje, aproveitamos que não tinha uma alma viva naquilo que chamo de “nosso canto”. É bom estar com ela, e acho que ela gosta de estar comigo.

Ela estava triste, não sei se porque Faele não está mais entre nós ou se porque hoje fez aniversário de morte do pai dela. E os meus pais, você me perguntaria agora. Sarah talvez me perguntasse. Talvez eu chorasse, se não estivesse tão cansada. Não sei se tão cansada, mas estou cansada, e neste momento não lembro de muita coisa antes de eu chegar a este lugar. Decerto é porque parei de escrever, e Sarah disse para eu escrever constantemente, de preferência todos os dias. “Nenhum dia sem uma linha”, disse ela e depois descobri que era uma frase que os gregos diziam, se não me engano, o professor de Alexandre, O Grande, ou um de seus pintores, não lembro ao certo. O caso é que devo continuar escrevendo essa maldita história, com ou sem vontade, o que significa que devo me contrariar praticamente todos os dias.

Li uns livros da Sarah, e ali dizia que crianças e adultos têm mundos diferentes, que mesmo os dois vendo o mesmo filme vão perceber coisas diferentes. Logo, se Clara colocou uma roupa curtinha, porque Maria considerou que o dia estava quente, e o homem alto e moreno se excitou, e talvez tenha dito ao seu cérebro, caso ele tivesse culpado a si mesmo (como é o nome disso? Superego?), que foi Clara que o provocou. Uma guriazinha com roupas de piriguete. Mas ela era apenas uma criança, nem sabia o que estava acontecendo. Na verdade, não estava acontecendo nada, e não deveria acontecer depois, era apenas uma criança com roupa de verão. Por que o homem moreno e alto, cujo nome até hoje não consegui inventar, não entendeu isso? Ou, o que é mais provável, talvez esse pensamento tenha vindo, mas ele rapidamente afugentou. Sarah me disse que isso é ser “perverso”, e que o “pervertido” não vê o outro. O pedófilo não pensa no que está sendo feito à criança, pensa apenas no prazer que ele sente.

No prazer que ele sentia.

O prazer que matou Clara.

Clara vai morrer no fim, você me pergunta.

De alguma forma que ainda não consigo alcançar, ela já está morta.

Mas talvez tenha sobrado alguma coisa.

E encontrar estes caquinhos, estes restos mortais, é minha missão de vida. E tenho certeza de que não vou sair daqui enquanto não souber como termina a história dela.

20:50

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