quarta-feira, 2 de abril de 2014

Piano Para Pequena Clara – Dia 85


23:15

Ela está olhando para fora, para longe. A cabeça está sobre as mãos espalmadas.

Ela é linda.

Em seu olhar vejo tudo o que há para ser dito sobre qualquer coisa, e só não consigo escrever porque não consigo escrever coisa alguma.

Clara olha para o longe, perdida, sorrindo, feliz.

Clara feliz.

Ouço o som do piano.

Mas penso melhor. Ela não está feliz. O olhar está longínquo, procurando algum lugar no céu, como se o céu reservasse algum lugar para ela. Longe daqui, longe de lá.

Longe do homem alto e moreno de cabelos lisos.

Longe daquele inferno.

O piano me arrepia enquanto escrevo. Poderia dizer que dói, e dói mesmo, mas essa talvez seja a dor que cure. A tal limonada a partir dos limões, que Sarah disse outro dia. Esses psicanalistas insistem em procurar um sentido em tudo. Quer dizer que tudo o que Clara passou tem um sentido? E Maria, a mãe, também?


Não consigo imaginar. Não mesmo. Mas então pauso, penso, e Sarah me disse que não era para pensar, apenas escrever. Então ouço o som do piano e posso jurar que há violinos junto. Eles me dão conforto. Talvez até uma paz – mas só escrevo isso porque sei que ninguém vai ler. Jamais.

Talvez o piano, de alguma forma, seja o que tenha salvado Clara e Maria. Meu deus, pode ter sido isso mesmo. Maria tocava para salvar Clara, Clara ouvia para salvar Maria. Juro que não sei que mágica é essa de uma pessoa assim tão sem talento para coisa alguma como eu começar a escrever qualquer coisa, sem jamais – jamais – pensar no que vou escrever, e algo acontece. Algo que não entendo. Que dói. Mas que conforta.

Que me conforta.

Feito um abraço de mãe.

23:29

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