sábado, 5 de abril de 2014

Piano Para Pequena Clara – Dia 86


23:46

Pensei em escrever antes para registrar que a química em minha cabeça parece estar mudando.

Sei lá, me senti feliz hoje.

Maria Se Sentindo Feliz.

Queria registrar, porque você que me acompanha sabe que isso não é muito normal.

Não que me importe. Ou me importe, mas finjo que não. Maria Que Finge.

Pensei em ler algumas das coisas que escrevi, e já nem lembro mais, como não lembro de muitas coisas. Não sei se Sarah diria para eu voltar atrás e reler alguma coisa. Pensei o que fazer sobre os meninos Jonas e Marcos. E – sei que você vai achar uma artimanha muito fajuta desta pretensa escritora, mas – tive outra boa ideia hoje, e esqueci.

Um dos garotos defendeu Clara. Ele bebeu no lugar dela, quando Claudius, esse homem maldito, quis forçar Clara a beber. Não sei se o garoto que enfrentou Claudius era Jonas ou Marcos. Como continuo tateando essa narrativa, vou imaginar que o garoto era Marcos e ele era filho de Lara. Portanto, primo de Clara.

Primo e irmão, porque – segredo de família – o filho de Lara era filho de Claudius também.

Não me surpreende que Maria, a mãe, estivesse sempre em depressão. Acho quase impossível ela não saber o que acontecia. Mas não sei. Imagine, Claudius fez sexo com as três. Com a esposa Maria, com a cunhada Lara, com a filha Clara.

Filho da puta.

Eu queria colocar um piano nesta história e fazer ele cair em cima da cabeça desse homem – mas acho que ficaria meio forçado. Não que ele não merecesse, mas – andei lendo mais um pouquinho de teoria literária – isso seria um Deus ex machina, além de um clichê. Até mesmo uma escritora horrível como eu sabe disso.

Acho que um dos garotos foi morar em outra casa. Claudius tomava banho com pelo menos um deles. Ele abusou dos garotos também? Não sei. Queria que fosse tão mais fácil escrever essa história, mas acredite: nunca é. Pelo menos hoje ainda não está doendo escrever. Vi Cris mais cedo, ela e seu olhar de tristeza, acho que por causa de seu amor que foi embora daqui, a Faele. Às vezes Cris sorri e eu fico feliz por ela. Talvez eu devesse escrever meus sentimentos em relação a isso. Mas já é suficientemente trabalhoso, e muito trabalhoso, criar a história de Clara e entender como afinal os personagens se relacionam.

Às vezes queria lembrar mais. Talvez pudesse pegar mais elementos da minha vida para compor essa história.

Pausa.

Escrevi isso mesmo? Lembrar de elementos da minha vida para compor essa história?

Que feitiço é esse que quando começo a escrever, as frases vão surgindo assim, como de trás de uma árvore de outras frases? Sarah está me contaminando com sua loucura. Esses psicanalistas são todos perturbados mentais. É isso. Loucos de atar.

Mas e se ela estiver certa no fim das contas?

Porque é impossível que eu, que nunca consegui escrever (ou será que já consegui e por causa de algum trauma também não lembro?), esteja criando essa história a partir do nada. Como disse, ou acho que disse, tudo o que a gente escreve é autobiográfico, em maior ou menor grau.

E se ela estiver certa?

Sarah, não faça isso comigo. Não faça, cadela, maldita. Sarah, sua puta, não faça isso comigo.

Não comigo.

Meu deus, não comigo.

00:06

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