quarta-feira, 30 de abril de 2014

Piano Para Pequena Clara – Dia 94


21:55

Um novo tempo se aproxima. Um novo mês, embora as datas não façam tanta diferença depois de um tempo. A estação da dor voltou, então escrevo. Preciso escrever. Jogar tudo isso no lixo, sim, mas tenho que ir até o final desta história.

Pensei em Clara. Sarah me disse que as crianças simbolizam muito. Então vejo um boneco. Que pode ser de pano, mas sei que era homem. Em minha imaginação, era um boneco moreno. Então Clara cravou um pauzinho no boneco, como se fosse uma estaca, e girou na altura do coração. E então cravou o pauzinho no lugar onde ficaria o... Não tem uma maneira delicada de dizer isso.

Cu.

E ela cravou o pau até fazer um furo ali.

De onde você acha que ela tirou isso?

Maria, a mãe, deve ter encontrado o boneco, e talvez não tenha se perguntado por que ele tinha um buraco bem ali. Deve ter pensado que era coincidência, ou que era pelo fato de o boneco ser meio antigo. Alguma traça teria roído. Ou talvez Maria não tenha pensado nada.

Mas neste momento acho que ela pensou, mas assim: fingiu que não pensou.

Clara queria a morte do homem alto e moreno de cabelos lisos.

Ela fez o boneco sofrer o que ela sofria. Isso não é óbvio?

Talvez seja para você, que talvez me leia, meu interlocutor inexistente, e parece claro para mim. Doído, mas claro. Dói escrever, dói pensar nesta história. Queria contar uma história de família perfeita como um comercial de margarina. Mas não são essas as frases que vêm para mim quando me proponho a escrever uma ou duas palavras, e acabo escrevendo alguns parágrafos. Sei que tem uma lógica, que essa dor vai ter um fim.

Um dia.

Clara cravou o pauzinho no boneco.

Será que o Sr. Doutor Claudius viu isso?

Ele estava muito ocupado cuidando de Lara.

E não cuidando de Maria.

E tinha coisas mais importantes, mais visualmente saudáveis, para se ocupar em Clara do que um boneco velho.

Estou cansada. Não sei como termina esta cena, nem sei se foi apenas uma vez. Mas provavelmente não. Matar papai. Eis sua nova brincadeira. E quando fosse maior, quem sabe pudesse incrementar a brincadeira.

E vou continuar escrevendo. Para saber se ela conseguiu crescer.

E se a brincadeira de matar o pai cresceu junto.

22:08

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