terça-feira, 8 de abril de 2014

Piano Para Pequena Clara - Dia 88


13:36

Sim, se você repara nos horários que coloco aqui quando escrevo deve ter percebido que agora é começo de tarde. Decidi escrever fora do quarto e há aqui ao lado algumas pessoas que, acho, não estão preocupadas comigo, cada uma presa em seu mundinho. Não posso deixar de registrar que estou me sentindo horrível, com as tripas expostas. Nua em frente a todo mundo. Mesmo que os outros não estejam me olhando: estou nua ao seu lado. Essas pessoas com as quais interajo pouco neste lugar do qual falo pouco.

Maria Fora Do Quarto.

É tão difícil escrever, e fica ainda mais me expondo desse jeito. Então por que comecei a escrever agora? Porque preciso escrever. É a melhor resposta que consigo pensar: uma urgência de tenho que ser algo. Eu que não sou, nunca fui, jamais serei. Mas quem sabe agora?

Maria Quem Sabe?

Tem uma televisão em uma peça ao fundo e os barulhos do programa e suas risadinhas eletrônicas me atrapalham mais ainda. Mas acho que nada pode ser mais alto que aquilo que grita em minha cabeça. Se eu tivesse coragem de mostrar isso aqui para alguém, que certamente jamais vou ter, mas se tivesse, queria saber o que alguém, não sei quem, acha da história de Clara. Algumas pessoas ao meu lado ficam olhando congeladas para a tela do computador. Será que elas sabem mexer no computador ou só estão olhando para ele? Algumas outras caminham pelo corredor, conversam pouco. Ninguém fala comigo, e não quero que ninguém fale. Estou escrevendo, e se parar para pensar, paro de escrever, a história acaba, acaba sem acabar.

Ainda não é hora de morrer.

Nunca tinha pensado nisso, mas talvez pense mais na história de Clara quando estou no quarto. Acho que meu inconsciente já associou aquele lugar com o ato de contar a história da garotinha que sofria abuso do pai alcoólatra, que voltou a beber depois de dez anos abstêmio, e que batia na mulher, internada mais de uma vez, talvez por depressão, talvez por outras coisas, irmã da titia que dava para o papai quando deveria cuidar da sobrinha, e voltamos tudo outra vez. Ainda temos um filho e um sobrinho, Jonas e Marcos, e mais um segredo de família. Marcos era sobrinho de Clara, oficialmente, e irmão extra-curricular.

As pessoas aqui ao lado continuam sem me olhar. Que se danem. Não quero que me olhem, só quero terminar esta história.

Só quero me sentir viva mais um dia. 

13:53

Nenhum comentário:

Postar um comentário