sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Depois do Nanowrimo – Dia 47


16:22

Escreva quando você não tem vontade, escreva todo dia, esqueça a inspiração, esqueça o humor. Apenas escreva.

Assim fica mais fácil, porque – vá lá – estou escrevendo. Maria Que Escreve Sem Inspiração.

Lá fora não está mais chovendo, a temperatura baixou um pouco. É difícil escrever quando está calor, mas talvez eu também reclame do frio e da umidade nos dias frios. Não importa. A busca por Clara deve continuar. Maria Que Não Desiste de Buscar.

A porta está aberta, é um raro momento-de-porta-aberta. Silêncio. Silêncios também são raros aqui. Você cogitou que eu estivesse morta, em algum lugar ou no necrotério, mas percebeu que interajo com as pessoas. Não muito, é verdade, mas interajo, tomo banho, durmo. Como. Até café tomo – será isso que me tira o sono? Mas não escrevo para falar de mim. A menos que ainda não tenha entendido o porquê de eu estar escrevendo tudo isso – o que é sempre uma possibilidade – e, sei lá por quê, lembrei agora do folheto sobre o grupo de autoajuda para pessoas vítimas de incesto que Sarah deixou por aqui esses dias.

Por que lembrei disso agora?

Em minha mente, nesta historinha que duvido que algum dia em algum lugar alguém leia, o homem moreno alto e magro está brincando com Clara. De novo, a praça. Existe um campo em volta, uma quadra de futebol, uma área para o vôlei, um areão. Já comentei isso? Não lembro. Esqueci a maior parte das cenas desta história, assim como esqueci desde sempre como vim parar neste lugar. Maria Que Esquece das Coisas. Eu diria Maria Sem Passado, mas todos temos um. Bom ou ruim, ou bom E ruim, mas ele está lá, por algum motivo. Ele me trouxe até a vida presente e ainda não sei, e não sei se quero saber, como.

Por isso escrevo.

O homem moreno mostra Clara para um casal de vizinhos. Ela está menor, talvez um ano e meio. Ele diz, diz oi, filha. Oi, diz o casal. Clara olha para eles sem reação. Eles abanam para ela. Ela, nada. Oi, eles insistem. Clara, nada. O homem moreno conversa com o casal, Clara sai caminhando, ou aquilo mais próximo de uma caminhada cambaleante que ela consegue dar, e o homem moreno interrompe a conversa, busca Clara e a traz para perto de si, como quem cuida de uma joia rara. Ele pega ela no colo, segura rente ao peito, balança Clara no ar.

- Um amor a sua filha, diz a mulher do casal vizinho, uma garota jovem.

- Também acho, diz ele.

Também acho, ele disse. Paro de escrever e penso por um instante. Ele disse que também achava ela um amor. Os vizinhos, jovem casal ainda sem filhos, devem ter pensado que ali ao lado estava um bom pai. Também acho um amor, foi o que ele disse.

Só que não era exatamente o amor de um pai para uma filha.

Era de um homem para uma mulher.

Esfrego o rosto.

Me pergunto quando este inferno vai ter fim.

E então percebo: o inferno tinha recém começado.

16:44

3 comentários:

  1. Olá!

    Como estou sem face, resolvi dar uma passadinha no blog e ver como anda o texto. Muito bom! bjs

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    1. Seja bem-vinda de volta..:) Agora que o Chrome liberou meu Blogger, posso postar aqui, depois de publicar na fanpage do Distantes Trovões do face...:) Obrigado pela leitura. Bjão!

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  2. ok, já sabemos que não se passa num necrotério, irei continuar formulando teorias, e vendo o desenvolvimento da história da Clara.

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