terça-feira, 18 de março de 2014

Depois do Nanowrimo - Dia 77


00:41

“Não vou mentir que sou feliz, porque não sou”.

Ouvi isso de um garoto que frequenta um desses grupos que acontecem aqui. É madrugada e fico melancólica ao pensar e escrever, lembrar de alguma música que me traga dor e paz. Você pode dizer que sou masoquista, mas isso é uma forma simplista de ver as coisas. Imagine a tristeza, ou a dor, que é algo maior, como uma lama. E imagine que preciso melecar meus dedos nessa lama senão não consigo escrever. Aliás, acho que escrevo justamente por isso.

E talvez no fim de tudo consiga acabar com as mãos limpas.

Me condoí com a dor desse garoto. Existem dores piores que a minha, afinal. Sarah de tempos em tempos me convida para ir em um desses grupos. Me identifiquei com ele, e me arrepio.

Como cortes no pulso. Como minhas cicatrizes.

Sarah me convidou para conhecer o grupo de vítimas de incesto. O que eu ia fazer em um grupo desses? perguntei.

 Talvez você tenha algumas ideias a partir do que ouvir lá, já que está escrevendo sobre isso.

Não sei. Algum dia, quem sabe, falei. Se não for antes, talvez quando eu terminar de escrever a história.

Ela sorriu.

 Se não for antes, talvez quando você terminar de escrever, disse ela, feito escuta reflexiva.

E saiu pelo corredor. Tive a impressão de que ela queria falar mais, ou que queria, mas ainda não era hora.

Então, tenho que terminar de escrever esta merda de história. Precisamos saber o que acontece com a pequena Clara. Dizem que pode acontecer, quer dizer, escritores profissionais dizem que às vezes se apaixonam por seus personagens. Não digo que me apaixonei por Clara, mas preciso dela, me importo com ela. Talvez seja algo parecido o que sinto por essa garotinha. A princesa que o Bicho Papão comeu.

Maria, eu, já disse, é meu primeiro nome.

Meu segundo nome, não lembro, nem lembro como era minha vida antes de vir para cá. Mas como você se lembra do seu primeiro nome? você pergunta. Não sei, só sei que nunca gostei dele, e talvez Sarah tenha descoberto isso e me feito escrever a história de Clara para descobrir... o que mesmo?

Já sei que Claudius batia em Maria, a mãe, e que às vezes pedia perdão. Ela acreditava que ele ia mudar. Não sei se foi bem assim, apenas estou escrevendo. Cada noite que fico sem escrever esta história, e toda noite recebo um convite quase irresistível para deixar para amanhã, jogar tudo para cima, a história, minha vida, ou aquilo que sobrou da minha vida.

Aquilo que sobrou da minha vida.

Algo sobrou.

Preciso de você, garotinha. Minha vida depende de você. Mas também, de alguma forma que só agora notei, preciso de Maria também. Maria, sei lá por quê, que neste momento me lembra aquela escritora, Clarice. Li uns trechos de um livro que falava sobre resiliência, e que falava dessa Clarice. Talvez tenha lido sobre as desgraças dela e tenha me inspirado algumas dores da mãe Maria.

Maria, a mãe.

Maria é mãe.

Faria uma oração neste momento. Se ainda acreditasse em alguma coisa.

Mas talvez acredite em Maria. E se acreditar em Maria, talvez acredite em Clara. E talvez, penso, no fim disso tudo, haja esperança para mim.

01:03

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